‘Harmonium’, mais um bem conseguido drama familiar japonês

por João Estróia Vieira,    12 Novembro, 2016
‘Harmonium’, mais um bem conseguido drama familiar japonês

O ritmo lento da primeira hora do filme, leva-nos a acreditar que o mesmo caminha numa direcção oposta àquela que efectivamente escolhe. Poucas pistas nos são dadas, mas sentimos uma aura diferente. Prolífico no Japão, o típico drama familiar leva um abanão inesperado. A sua hora inicial, propositadamente calma e harmoniosa dentro de uma silenciosa atmosfera é sim o preparar de uma bomba prestes a rebentar nas nossas mãos.

A chegada de um estranho vai abalar os alicerces que eram tidos como humanamente banais e normais como em qualquer família que não passa por um teste à sua estabilidade. Tadanobu Asano é um ex-condenado Yakuza (são os membros de grupos de organização criminosa transnacional originários do Japão), com quem o chefe dessa família, Toshio, tem uma dívida eterna (a cultura japonesa e os seus elementos essenciais). Certo dia, ao sair da prisão aparece na oficina de Toshio (Kanji Furutachi) e como seria óbvio, tendo em conta o desconhecido laço de gratidão que os liga, este oferece-lhe emprego e estadia na sua casa.

A chegada de Yasaka e a sua personalidade carismática reformularão rotinas e causarão um impacto que se fará sentir sobretudo sobre a mulher de Toshio, Akié (Mariko Tsutsui). O desejo, as interrogações, a combustão interior: Yasaka desperta em Akié sentimentos há muito adormecidos e dormentes, levando-a a questionar a fidelidade para com o seu marido.

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A família, composta ainda pela filha do casal, Hotaru (Momone Shinokawa), descobre uma vivência que há muito tinha esquecido. A aparente estabilidade e solidez esconde, no entanto, uma tepidez tantas vezes omissa em hábitos regulares. O factor exterior como desorientador dessa aparente segurança matrimonial é fabulosamente explorada por Kôji Fukada.

É a improcedência das acções de Yasaka que causará o twist à japonesa no filme. A cor vermelha como simbolismo da maldade e do pecado têm aqui papel fundamental no filme de Fukada, que habilmente nos conduz na pista do que pretenderá.
O acontecimento, o abanão trágico na narrativa causado por Yasaka, tem consequências imediatas, mas nós como espectadores voltamos só oito anos depois do ocorrido para observar os cacos, daquilo que era uma família, caídos no chão.

Este é um interessante trabalho sobre as mutações numa família como organismo sujeito a ser afectado, seja por factores exteriores ou interiores, naquilo que resulta num thriller psicológico bem conseguido e habilmente construído. O sentimento de culpa, a vingança e o karma, temas tão constantes na cultura cinematográfica japonesa, têm todos a sua exploração nesta obra de Kôji Fukada que falha ainda assim em dar uma conclusão de qualidade à expiação dos mesmos. Um mal menor numa descoberta diferente.

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