Health Parliament Portugal
O Health Parliament Portugal é um projecto dedicado à procura de ideias para renovar o Serviço Nacional de Saúde, que se distingue de todos os outros por dois motivos: procura pessoas mais jovens do que é comum nos meios das políticas de saúde e não procura técnicos da área, mas antes pessoas que representem a sociedade civil e tenham ideias de diferentes prismas. As pessoas candidataram-se e foram selecionadas com base no seu curriculum e numa pequena entrevista telefónica — foi-me dada a oportunidade de integrar o Parlamento nesta edição, mas fui rejeitado na primeira edição do projecto.
Tem uma composição de sessenta deputados, repartidos por seis comissões. Foi-me atribuída a comissão de Saúde Mental, da qual fui eleito coordenador. As propostas estão a ser trabalhadas desde o início de 2020 e depois de vários plenários, será no dia de hoje que serão oficialmente comunicadas ao público e às instituições responsáveis pela sua eventual implementação — ainda que vários contactos informais tenham sido feitos ao longo destes meses.
Na comissão de Saúde Mental, o grupo de deputados é bastante diverso e as medidas a que chegámos beneficiaram dessa diversidade. Ainda que houvesse dois médicos, uma psicóloga e uma farmacêutica na comissão, os restantes membros eram de áreas aparentemente distantes — desde a realização de cinema à área social — mas que se revelaram essenciais para olhar para os problemas de outras perspectivas e chegar a novas soluções.
No trabalho feito, foram identificados cinco problemas: Iniquidade de acesso a cuidados de saúde; Estigma e iliteracia quer em relação quer à saúde, quer em relação à doença mental; Insuficiência dos modelos comunitários/Cuidados de Saúde Primários (CSP); Ausência de mecanismos de prevenção de doença mental; subfinanciamento e estagnação das estruturas forenses. De forma a tornar mais simples a leitura desta crónica e a facilitar a consulta das medidas, enumerá-las-ei em formato de bullets, com as soluções propostas abaixo dos problemas levantados:
Iniquidade de acesso a cuidados de saúde
Criação de acesso a espaço exterior — como já relatado numa crónica anterior, ainda que a psiquiatria seja a única área em Portugal na qual se pode internar alguém contra a sua vontade, muitos dos serviços não estão equipados com pátios para que os doentes tenham algum tempo do seu dia a céu aberto. Em serviços nos quais a porta e as janelas se encontram trancadas pelos riscos de fuga ou suicídio, é prejudicial para os doentes que tenham de permanecer trancados durante a duração do seu internamento. A meu ver, esta medida é absolutamente prioritária, pela situação actual representar um atropelo de Direitos Humanos.
Criação de serviços de psiquiatria em hospitais gerais — neste ponto, a comissão pretende apoiar o que está previsto no Programa Nacional para a Saúde Mental, que aguarda financiamento para poder ser executado há mais de uma década. Serviços nos hospitais gerais permitiriam aos doentes psiquiátricos estar mais próximos das suas comunidades, recebendo mais visitas de familiares e amigos, promovendo a sua mais fácil reintegração aquando da alta.
Dispensa gratuita de antipsicóticos injectáveis em hospitais, centros de saúde e equipas comunitárias, bem como comparticipação a 100%, através de portaria, dos antipsicóticos orais para dispensa em farmácia comunitária – esta medida também já foi discutida numa crónica anterior e representa um direito básico de acesso à medicação por parte daqueles que são os doentes mais graves da área da psiquiatria. Foi já parcialmente aprovada e incluída num despacho, embora não se observem quaisquer efeitos práticos deste importante primeiro passo.
Alteração dos requisitos técnicos de arquitectura nos serviços de Cuidados Continuados e Integrados de Saúde Mental, para que seja possível abrir mais estruturas desta natureza e que estas sejam adequadas às patologias de que sofrem os doentes.
Insuficiência dos modelos comunitários
Permitir a prescrição social nos CSP — desta forma, os médicos de família estariam habilitados a prescrever medidas não farmacológicas, podendo estas ter algum tipo de comparticipação. Essa prescrição poderia incluir actividades físicas, sociais, ocupacionais ou culturais. Este modelo está a ser testado na USF Baixa, em Lisboa e pretende combater o isolamento social e o peso das doenças crónicas.
Criação de um “link worker” — também não originalmente nossa, esta ideia replica algo que já acontece noutros países, que é a atribuição de um profissional de referência a cada doente, que tenha a capacidade de o acompanhar nos vários aspectos referentes ao seu tratamento de uma forma individualizada. A figura assemelha-se nalguns papeis à do assistente social, mas poderia ser desempenhada por diferentes tipos de profissionais pertencentes às estruturas de saúde.
Estigma e iliteracia em saúde e doença mental
Financiamento de conteúdos audiovisuais — Uma das medidas que beneficiou de conhecimentos alheios às áreas científicas. A proposta é de que passe a haver financiamento para a inclusão de temas ligados à Saúde Mental nas televisões e rádios, algo que já acontece para outras áreas relevantes, mas não para esta.
Criação da figura de um Professor Coordenador de Saúde — Esta ideia encontrava-se abandonada há vários anos e consiste em dar formação a professores (tendencialmente directores de turma) para que consigam sinalizar crianças em risco de desenvolver algumas doenças. Dentro dessa capacitação, estaria a formação em primeiros socorros em saúde mental, podendo os professores articular com os psicólogos escolares no sentido de sinalizar as crianças aos cuidados de saúde. Esta medida permitiria que se actuasse mais cedo, melhorando o prognóstico das crianças que viessem a desenvolver perturbações mentais.
Ausência de mecanismos de prevenção de doença mental
Incorporação de outros indicadores de avaliação de desempenho para a matriz e avaliação dos CSP — Estes indicadores servem para avaliar e financiar alguns Centros de Saúde e o facto de serem insuficientes na área da Saúde Mental, faz com que os médicos de Medicina Geral e Familiar, que têm listas extensas de doentes e muito pouco tempo disponível para os avaliar em todas as áreas, acabem por não ser estimulados a dedicar-se às perturbações psiquiátricas. Esta proposta pretende contribuir para inverter essa tendência, gerando maior financiamento, avaliando a prescrição efectiva de psicofármacos e optimizando o tempo e necessidade de referenciações para os serviços de psiquiatria.
Subfinanciamento e estagnação das estruturas forenses
Criação de Serviços Regionais de Psiquiatria — A criação de serviços de psiquiatria nos hospitais gerais fará com que os hospitais psiquiátricos sejam extintos. No entanto, esse património (Hospital Júlio de Matos, Hospital Sobral Cid e Hospital Magalhães Lemos) deve continuar a servir os doentes. Dessa forma, nesta proposta, também alinhada com a visão do Programa Nacional para a Saúde Mental, sugere-se a criação de serviços que incorporem mais internamentos para doentes inimputáveis — Serviços Forenses – estruturas de Liberdade para Prova – essenciais a uma abordagem menos coerciva aos doentes inimputáveis e muito insuficientes em todo o país – e a criação de serviços de doentes difíceis, para doentes que se encontram, por via das suas doenças, em circunstâncias que requerem abordagens ultra especializadas e complexas quer do ponto de vista clínico, quer social.
Somos realistas e sabemos que será muito improvável que todas as medidas venham a ser postas em prática pelo governo, mas essa é uma das consequências do trabalho em políticas de saúde — devemos estar preparados para que apenas parte do que se propõe seja exequível, quer por motivos de orçamento, quer por motivos de vontade política. Ainda assim, parece a altura que vivemos, depois dos confinamentos motivados pela COVID-19 e com a chegada de um Programa de Recuperação e Resiliência que atribuirá 84 milhões de euros à área da Saúde Mental, uma das melhores que presenciámos para que se aposte nesta área.
No futuro, espero olhar para trás e ver este projecto como algo que deu contributos concretos para melhorar a qualidade dos serviços de saúde em Portugal.
Os membros da comissão que contribuíram para este trabalho são, para além de mim: André Badalo, Fabienne Costa, Joana Ramos, Madalena Moita, Marta Pimenta de Brito, Marta Rafael e Vera Egreja Barracho. As empresas que proporcionaram a realização do projecto são o Expresso, a Janssen, a Microsoft e a Universidade Nova de Lisboa e tudo foi liderado e coordenado pelo João Condeixa.
A quem possa interessar:
Hoje, pelas 17h, no Facebook do Expresso, será transmitido o lançamento do livro final do Health Parliament Portugal, com breves intervenções de todas as comissões envolvidas.
Também hoje, terá transmissão às 20h na SIC Notícias um debate relacionado com as medidas propostas pelas várias comissões e a sua eventual forma de implementação.