‘Hell or High Water’, um imortal tributo contemporâneo ao género western
Nos tempos que correm no cinema, onde ideias recicladas (já se perdem as contas aos remakes e sequelas) e decisões artísticas limitadas logo à nascença dão origem a “novos” filmes, Hell or High Water é um refrescante back to basics com relevância política e social actual. Realizado por David Mackenzie (Perfect Sense e Starred Up), este filme foi escrito por Taylor Sheridan, que depois da sua estreia como guionista no fantástico Sicario, traz-nos novamente um dos filmes de acção do ano.
Imerso numa beleza estética similar à The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford (um filme tantas vezes esquecido injustamente) e com aura de No Country For Old Men, são as áridas vistas paisagens desertas do Texas e a banda sonora composta por Nick Cave e Warren Ellis que acabam por marcar o tom deste Hell or High Water. É ao som de muitas das músicas country presentes nesta obra que a aura soturna se instala facilmente em ecrã ajudando a elevar ainda mais as interpretações das personagens centrais nesta história.
Tipicamente considerado como um heist movie, Hell or High Water é também um crime/drama com uma capacidade rápida no gatilho de nos transportar pelos mais variados estados de espírito. O divorciado Toby e o seu volátil irmão, o ex-condenado Tanner, interpretados magistralmente por Chris Pine e Ben Foster, que têm aqui as suas melhores (ou pelo menos mais “adultas”) interpretações até à data, compõem um plano para assaltarem os bancos das suas redondezas afim de reunir a quantia necessária de dinheiro para pagar as dívidas deixadas pela sua falecida mãe e que correm o risco de levar à penhora do rancho deixado pela mesma.
Toby, o cérebro por trás do plano, quer para os seus filhos o futuro que ele nunca teve: “a pobreza é como uma doença, passa de geração em geração”, diz. Ben Foster é o contraponto enérgico e vibrante, com uma interpretação repleta de vitalidade contagiante ao longo do filme.
No lado oposto estão os “rangers” Marcus Hamilton, o brilhante Jeff Bridges (eterno “dude”), e Alberto (Gil Birmingham), uma dupla que proporciona alguns dos melhores momentos de humor do filme. Um humor árido e pueril como tudo o resto que os rodeia, mas que nos retira risos com uma facilidade tremenda. Como Marcus, Bridges é um homem astuto, à beira da reforma, e que no seu estilo um pouco habitual, goza continuamente com o seu parceiro, um mexicano com raízes índias, alvo das piadas do superior. “Ainda tenho muitas mais para gastar”, avisa. O ambiente, assim como o timing, está de tal forma bem orquestrado para cada uma delas que resultam todas tão bem quanto a primeira. Uma extraordinária capacidade de David Mackenzie e Taylor Sheridan de proporcionarem momentos de leveza recorrendo maioritariamente ao humor (com laivos de filme dos irmãos Coen, nomeadamente numa cena com a actriz Margaret Bowman enquanto empregada de mesa) enquanto exploram diferentes espaços e contextos.
Recorrente nas paisagens são os cartazes a promover lojas de penhor ou empréstimos com juros facilitados. O filme acaba por não ter em nenhum dos seus antagonistas os maus da fita, sendo que por eles não são poucos os momentos emotivos que resultam em carinho e compaixão pelas personagens. São sim os bancos, sempre como pano de fundo a funcionar como maus da fita, causadores de uma crise que levou tantas famílias à miséria, tanta gente a perder o pouco que tinha neste Texas esquecido em terras de ninguém. É desse prisma que estas instituições financeiras funcionam quase como o bad guy omnipresente e motor de toda a narrativa que dá origem ao filme.
Cativante e emocionante pela forma como desde cedo nos agarra, Hell or High Water é um dos acontecimentos do ano no cinema português. Repleto de diálogos gratificantes ao nosso espírito, cozinha com cinismo uma reta final marcante. Filme de “F” grande, que se sabe situar temporalmente ao mesmo tempo que se imortaliza num género há muito esquecido, mas que Taylor Sheridan faz aqui por reavivar. Emotivo e intenso, Hell or High Water conjuga na perfeição esse seu cariz mais social (e actual) às relações humanas e laços familiares.
Em ante-estreia nacional no Lisbon & Estoril Film Festival, o filme tem a sua estreia anunciada para dia 8 de Dezembro em Portugal.