Hinos de muitos tempos no primeiro dia do NOS Alive
O Passeio Marítimo de Algés voltou a encher-se de palcos, ruas e roulotes de comida para mais uma edição do NOS Alive. Carregado de nomes conhecidos e até habituais dos palcos portugueses, o NOS Alive continua a manter-se em destaque no panorama festivaleiro nacional e estrangeiro. Destacamos alguns dos concertos que vimos e que foram marcando a história da edição de 2019.
Sharon van Etten está agora num mundo diferente do que estava quando actuou pela última vez em Portugal, em 2014. Pelo caminho, começou a estudar Psicologia, representou, teve um filho e lançou um álbum, ‘Remind me Tomorrow’, já este ano. Foi justamente com este álbum no epicentro que Sharon van Etten subiu ao palco Sagres, pouco antes das 19h00 e com o melhor efeito de estufa que a cobertura do palco nos podia oferecer. Adiante. Sharon van Etten está mais pop do que alguma vez foi, está mais leve, menos crua, menos áspera, menos zangada, sem que isso lhe retire a profundidade emocional que dá às suas canções, mas quando passa para a guitarra, invariavelmente para canções de outros tempos, parece-nos mais completa. Não que a aspereza de outros tempos a defina, mas a faceta menos pop parece-nos engrandecer ainda mais o talento de Sharon van Etten. É(-me)(-nos) difícil olhar para Sharon e não pensar em PJ Harvey, mas talvez seja só impressão.
Ao mesmo tempo, no palco NOS, surgem os retornados Weezer. Os anos 90 foram a época alta da banda norte-americana. Ao Alive trouxeram alguns êxitos e covers. Durante “Take on Me”, um original dos a-ha, de repente, falha o som. No entanto, mesmo apercebendo-se da adversidade e dos assobios do público, as cordas não pararam de vibrar, nem os pratos de estalar, e assim que o som voltou a música parecia que nunca tinha desaparecido, para deleite do público. Fugimos para o Palco Clubbing, mas alguns relatos referem que os problemas técnicos voltaram a assombrar o palco principal enquanto os Weezer atuavam.
Chegamos ao Clubbing e parece que afinal é um concerto de Pharrell Williams: é fisicamente semelhante, check; há soul, check; um boa voz, check; um chapéu excêntrico, check. Parece Pharrell, meio que soa a Pharrell, mas não é Pharrell – é Samm Henshaw. Que por acaso até já trabalhou com Pharrell – em princípio são mesmo pessoas diferentes. O britânico com raízes nigerianas apresentou-se ao público português pela primeira vez e seria difícil ter uma melhor receção. Apesar do Soul e do R&B, nota-se a clara influência do Gospel, tanto na letra como na sonoridade. Se na segunda música já tinha o público a dançar como queria, na última, “Doubt”, estava tudo a saltar. Lá pelo meio mostraram-se músicas novas, do projeto que irá suceder ao EP “The Sound Experiment 2”. Ficou água na boca para o que aí virá.
Ainda passámos pelo palco Fado EDP, com Camané a ser muito esperado numa sala cheia. A noite haveria de ser muito bem escrita em português, com os Ornatos Violeta a serem muito esperados no palco NOS.
Os Ornatos começam com Xutos, na versão do Circo de Feras que fizeram para a colectânea XX Anos, XX bandas, por alturas dos 20 anos dos Xutos. O álbum ‘O Monstro Precisa de Amigos’ faz este ano 20 anos, se quisermos pegar em cada verso de cada canção, temos aforismos, conselhos, lemas de vida, esperança, tristeza, alegria. É difícil, por exemplo, não nos identificarmos com o verso “eu sei, a tua vida foi marcada pela dor de não saber onde dói” quando temos ansiedades e depressões como companheiras. É motivador, para não dizer o ponto de arranque, encher o peito e “dar sentido à viagem, p’ra sentir que eu sou capaz/ se o meu peito diz coragem, volto a partir em paz”. Quando chegámos ao “Fim da Canção”, estamos de coração cheio, mesmo quando detestamos este cliché que agora toda a gente diz. Estamos emocionados, sorridentes e esperançados, mas acima de tudo, estamos agradecidos pelo altruísmo que todos os elementos dos Ornatos Violeta têm em tocar este álbum, que marcou a vida de tanta gente, de uma forma tão honesta. Poderá falar-se de outros valores, a honestidade ninguém a tira.
Para quem insistiu em ficar até ao fim do regresso de Ornatos Violeta já apanhou Jorja Smith, no Palco Sagres, a meio da primeira música. Depois de ter cancelado a sua vinda ao Super Bock Super Rock, no ano passado, a cantora britânica finalmente recompensou o público português. Nos últimos anos já se viram grandes nomes e grandes concertos no palco secundário – Cage The Elephant, Royal Blood, Jain, Chet Faker, Khalid, só para citar alguns – mas nunca tínhamos visto o palco secundário tão cheio. A ânsia de devorar Ornatos até ao último segundo fez-se que não conseguíssemos sequer entrar no recinto do palco secundário. Restou-nos ficar a ver de fora durante uns momentos, com inveja de quem estava lá dentro a aproveitar ao máximo.
Termina Jorja Smith e o público esvazia o Palco Sagres. Loyle Carner, rapper inglês, vem de seguida, mas o público não parece tão ansioso para o ver. O próprio artista britânico confessou durante o concerto que quando vem a festivais no estrangeiro pela primeira vez fica sempre receoso de que ninguém apareça. Nós decidimos ir… às escuras. Para além das recomendações “ouve, ele é bué bom” que alguns amigos já tinham feito, nunca Loyle Carner nos passou pelos ouvidos. Fun fact, sabíamos que, no entanto, o verdadeiro nome do artista é Coyle-Larner, nome que adotou por ser disléxico e enganar-se frequentemente no nome.
De sotaque carregado, tornou-se difícil de perceber algumas das letras, mas não foi por isso que deixámos de aproveitar o concerto – nem o resto do público. Claramente que andamos desatentos. Esta pérola do rap britânico andava nas sombras. Ao longo do concerto o número de pessoas presentes ia aumentando, e algumas músicas conseguiram reações efusivas assim que soavam os primeiros acordes.
Por entre o público, um jovem inglês, Joshua, com uma camisola de Eric Cantona. Loyle dirige-se a ele no final de uma música e explica que o pai deixou-lhe uma camisola tal e qual como aquela. Uma camisola muito especial, que Loyle levava consigo para todos os concertos. Fascinantemente, pela primeira vez, encontrou alguém num concerto seu a usar uma camisola igual. Aos ombros de um amigo, Joshua, dirige-se para a frontline enquanto o público aplaude. Sobe ao palco e pede uma ovação para Loyle. Gostou tanto do momento que até lhe foi difícil abdicar do microfone.
Pouco depois sobe a palco uma convidada: Jorja Smith, para interpretar a música “Loose Ends”, que canta com Loyle Carner. Desenganem-se, o público ainda não estava saciado da inglesa. Agora sim conseguimos vê-la, e foi difícil não ficar apaixonado pela voz e beleza da cantora.
The Cure com os seus 41 anos de história. Se quisermos resumir, poderemos dizer que são uma banda com 41 anos e parecem uns putos a tocar. Pode parecer redutor, não é. Os The Cure são responsáveis por canções que fazem parte das nossas vidas, qualquer que seja a idade. É impossível estar indiferente à “Lovesong” ou a “Pictures of you”, é tecnicamente impossível não mandar aquele passo de dança feliz com “Never Enough”, o que não deixa de ser paradoxal com a penumbra que permeia as letras de Robert Smith.
O concerto do NOS Alive foi tudo isto, a celebração da história de uma das maiores bandas das últimas décadas, num desfile de canções obrigatórias no ano em que ‘Disintegration’, uma das obras maiores do colectivo, faz 30 anos. Robert Smith e companhia estão permanentemente no auge tanto na voz de Robert Smith imaculada como na linha de baixo e toda a pantomima de Simon Gallup. Não falharam “Friday I’m in Love”, “One Hundred Years”, “Why can’t I be you” e a obrigatória “Boys don’t cry”. Décadas depois da formação e do lançamento da maior parte dos temas ontem tocados, os The Cure tocam-nos com o mesmo entusiasmo que certamente os tocaram quando os lançaram. E é isto que nos faz querer sempre voltar aos The Cure.
Quase a fechar a noite no Palco Sagres surge Robyn. Uma espécie de Madonna da Suécia… talvez. A verdade é que não se compreende nada do que se está a passar – e estranhamente estamos confortáveis com isso. Há um dançarino que a segue para cada canto do palco, um seio que se mostra propositadamente e um eurodance que parece não ter fim, mas sempre emocionante.
Amanhã espera-se um NOS Alive pronto para celebrar os hits de Gossip e o novo álbum dos Vampire Weekend, bem como uma receção calorosa a Tash Sultana.
Texto por Linda Formiga e Gustavo Carvalho