História e legado do Teatro Experimental de Cascais são reunidos em livro

por Lusa,    17 Fevereiro, 2024
História e legado do Teatro Experimental de Cascais são reunidos em livro
Fotografia de Barry Weatherall / Unsplash
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Um livro que conta a história do Teatro Experimental de Cascais (TEC), uma das companhias mais antigas em Portugal, abordando a sua vertente educativa e o seu pioneirismo na preservação da memória é hoje apresentado no Estoril.

“Fazer Sonhar – Teatro Experimental de Cascais 1965-2023”, título do livro da autoria de José Pedro Sousa, conta a história do TEC, “um caso singular no tecido teatral português, não só pela sua longevidade mas também por ter sempre integrado uma forte componente de serviço educativo, que teve na fundação da Escola Profissional de Teatro de Cascais (EPTC) o seu expoente máximo, e ainda por ter sido pioneira na preservação da sua memória, de que o Espaço TEC é exemplo”, disse, em entrevista por escrito à Lusa, o autor.

O livro está dividido em quatro capítulos, o primeiro dos quais – “Antes de começar”, título retirado de Almada Negreiros, figura importante na história do TEC – centra-se nos antecedentes, no percurso dos fundadores antes de se conhecerem e de criarem o projeto “Gente Nova” em férias. 

O segundo capítulo, “Revolução em ditadura”, acompanha a atividade do teatro em tempos de censura e durante o PREC, enquanto o terceiro, que vai de 1976 até 1992, fala sobre as digressões do TEC ao Brasil e aos Estados Unidos, a mudança de espaço do Teatro Gil Vicente, em Cascais, para o Teatro Municipal Mirita Casimiro, no Monte Estoril. 

“É um período de consolidação do reportório do TEC, com espetáculos que marcaram a companhia e o público, como ‘O balcão’, de Jean Genet, ‘Galileu Galilei’, de Bertolt Brecht ou ‘Rei Lear’, de William Shakespeare”, destaca o autor. 

O quarto capítulo começa com a fundação da EPTC e dá conta de um processo de renovação do teatro, por um lado, e de recuperação da sua história com a criação do Espaço Memória. 

“É um ‘TEC 2.0’, que traz novos talentos para o teatro português sem nunca esquecer o impressionante património teatral que foi construindo ao longo de décadas”, acrescentou.

Segundo José Pedro Sousa, através da história do TEC, é possível conhecer uma parte importante da vida cultural portuguesa desde meados dos anos 1960 até aos dias de hoje. “A companhia trouxe a Portugal novas formas de fazer teatro, um repertório singular, com várias estreias de textos e autores, nacionais e estrangeiros. Ao longo de quase seis décadas de existência, foi no TEC que se estrearam muitos atores e atrizes, antes e depois da criação da EPTC, que continuam a fazer carreira nos palcos e na indústria audiovisual nacional e internacional”, lembrou. 

Mas o TEC também levou a cultura portuguesa além-fronteiras, para a Europa, para as Américas, África e até à Ásia, ao mesmo tempo que trouxe para o país “figuras charneiras do teatro ocidental, como Victor García e Ruth Escobar, entre outros, e personalidades ímpares como Miep Gies, que ajudou a família de Anne Frank a esconder-se dos nazis”. 

“É uma história fascinante que era necessário contar”, considerou.

Questionado sobre que aspetos ou períodos que mais destaca na atividade do TEC, o autor apontou, a propósito da celebração dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, o início da atividade do teatro, ainda durante a ditadura, e o momento imediatamente subsequente, o PREC.

Na opinião de José Pedro Sousa, a história do TEC “serve também para contar a história da(s) Censura(s) ao Teatro”, porque, mais do que licenciar ou não textos e espetáculos, consegue-se compreender o modo como a censura operava e as suas estratégias dissuasoras ou repressivas, “muito para além do que ficou registado em relatórios e outra documentação oficial”. 

Com o 25 de Abril, e durante o PREC, houve um momento em que a companhia, que sempre lutou pela liberdade, foi posta de lado ou até acusada de colaboracionismo. 

“Desde logo, houve o episódio do ‘despejo’ do TEC do teatro Gil Vicente de Cascais, que aconteceu enquanto a companhia se encontrava em digressão em Moçambique. Há um manifesto que encontrei no Arquivo documental do TEC em que Carlos Avilez declara não ter ocupado o teatro Gil Vicente em atenção à corporação dos Bombeiros Voluntários de Cascais, e que termina com a seguinte frase: ‘Continua, no entanto, a companhia do Teatro Experimental de Cascais a considerar que os teatros devem ser entregues aos trabalhadores de teatro’”, recorda.

A ideia de fazer este livro já vem de muito longe, conta José Pedro Sousa, evocando uma entrevista de Maria Virgínia Aguiar a Carlos Avilez, de 5 de Janeiro de 1989, em que se programava o lançamento da obra para o ano seguinte, quando a companhia celebraria vinte e cinco anos de atividade. 

Antes de José Pedro Sousa, outras pessoas iniciaram o processo, como foi o caso do jornalista José Mendes e o próprio ator João Vasco, da direção da companhia, responsável pelo Espaço Memória, que foi recolhendo e preservando algum do material que agora serviu de fonte documental para este livro.

“Quando eu comecei a pensar neste projeto, em 2015, não sabia deste legado. Apenas me dei conta da ausência de um livro sobre o TEC no panorama editorial português, e da urgência de gravar a memória desta companhia em letra de forma”, conta. 

O passo em frente para iniciar este trabalho foi dado em 2016, quando apresentou a ideia a Carlos Avilez e João Vasco. O primeiro esboço do projeto foi concebido no ano seguinte, as investigações começaram em 2018 e a escrita do livro teve início em 2020 e terminou em dezembro do ano passado.

“A base do meu trabalho de investigação, mercê do meu doutoramento em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), é a pesquisa arquivística, e foi por aí que comecei, após uma primeira leitura das obras de referência e dos artigos científicos sobre o trabalho do TEC”, relatou. 

Entre os vários arquivos e bibliotecas que consultou para a sua pesquisa, contam-se o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional de Portugal, a Biblioteca e Arquivo do Museu Nacional do Teatro e da Dança, o Arquivo do TEC, o Arquivo Osório Mateus, a Biblioteca da FLUL, e o arquivo pessoal de João Vasco. 

Os recursos digitais e os jornais, particularmente a crítica de teatro, foram também fontes imprescindíveis.

“E, pela primeira vez, pude conversar com os protagonistas da história, que conhecia bem e com quem mantive sempre o diálogo ao longo da escrita do livro”, sublinhou.

O livro “Fazer Sonhar – Teatro Experimental de Cascais 1965-2023” vai estar inicialmente só disponível para compra no TEC, mas dentro de algumas semanas deverá começar a ser vendido também nas lojas da especialidade, disse à Lusa fonte do teatro.

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