Histórias dos designs
Sempre que posso leio história da arquitectura. Com os anos, a arquitectura e o design tornaram-se aquelas vilas ou aldeias próximas, onde se desenvolveram rivalidades tradicionais que não se percebem muito bem a quem as vê de fora. Em tempos, a arquitectura já foi a peça central, primordial, da ideia moderna de uma cultura universal de projecto a que se chamou «design». Agora, são tradições distintas – o que é uma afirmação carregada. O design moderno foi concebido em grande medida para substituir processos tradicionais de produção. Decisões que eram ensinadas enquanto tradição, rituais até, – cortar uma peça de roupa, compor uma página, construir uma habitação – passaram a ser vistas como problemas a resolver de maneiras sempre novas.¹ Pelo menos assim foi durante a época moderna, heróica, do design. Entretanto, voltou-se em força à tradição no design. O principal problema passou a ser encaixar o que lhe ia aparecendo dentro dos formatos tradicionais.
O mesmo se passa com a própria história do design que, na sua vertente mais comum e mais básica, se dedica a identificar a presença ou não de design em tudo onde põe os olhos. É uma história estilo Flintstones ou Asterix onde se projecta as características do nosso próprio tempo sobre o passado – aquela distorção a que os historiadores chamam presentismo. O exemplo mais caricato é talvez a «recuperação» da tradição tipográfica enquanto exemplo de design, quando o objectivo foi durante muito tempo discipliná-la e geri-la de acordo com métodos modernos de projecto.
As histórias da arquitectura mostram-nos uma cultura muito próxima, um espelho cuja distorção é a sua própria identidade. Olhar para o design reflectido nas histórias da arquitectura permite-nos adivinhar o que falta, aquilo que não se vê porque está disfarçado pelo mito, pela tradição.
Uma das diferenças é o modo como se faz a história. Lendo Kenneth Frampton, por exemplo, percebe-se logo desde o começo que a história da arquitectura não é só a história de edifícios e dos seus arquitectos, mas realmente a história da Arquitectura, que é como quem diz a história de como o conceito mudou, dos modos distintos de o definir. Em muitas das histórias do design gráfico, o modo dominante são as cronologias de objectos e praticantes. Em geral, o design é tido como uma constante, ou então uma ideia que se vai refinando com o tempo, progredindo em direcção ao futuro.
Polémicas entre concepções radicalmente distintas do que deve ser o design tendem a ser «alisadas» de modo a não estragar a progressão linear da história. O chamado design pós-moderno dos anos 70, 80 é vulgarmente reduzido a uma esquisitice passageira – o «cult of the ugly», as «style» ou «legibility wars». Na verdade, foi um fenómeno complexo com efeitos duradouros que propôs novas identidades para o designer, modos novos de exercer o design, etc.
A história popular, «oral», do design, cuja principal função se reduziu a transmitir uma certa tradição do que deve ser o design, tem propósitos utilitários e muito limitados – promover certos modos de fazer e de falar sobre eles. Reduziu-se com efeito a uma mitologia,² uma estória que encadeia e integra tudo o que dá jeito integrar, resolvendo de modo narrativo as contradições que não lhe dá jeito eliminar de todo.
1- Ver The Philosophy of Design, de Glenn Parsons.
2- Uso o termo na acepção que lhe deu Roland Barthes.