Homem em Catarse: ‘Abro portas ao fado e a tudo que a inspiração me diga que faz sentido’
Na ressaca do lançamento de “Viagem Interior”, falamos com Afonso Dorido sobre o mais recente disco e o Portugal esquecido que encontramos de costas para o mar. Nada como um concerto no Litoral para navegar neste belo trabalho, Sábado no a.c. Mercado Negro em Aveiro.
Na revista Visão, Pedro Dias de Almeida falou de um conjunto de músicos que se deram a conhecer no rock, para depois enveredarem por caminhos a solo em formato de cantautores. Tó Trips, Norberto Lobo, Homem em Catarse… Quais são as vantagens de começar a compôr sozinh@ quando vens de um contexto de “banda”?
A maior vantagem é ser diferente do que estás habituado; é assumires totalmente o que é de ti e vem de ti, e ao mesmo tempo é um desafio mais solitário mas estimulante na medida em que tens de decidir todos os caminhos tentando a frescura de não te prenderes demasiado a ti. Talvez por isso e apesar de os temas terem sido todos compostos por mim, chamei o Filipe Miranda (The Partisan Seed, Kafka etc) e o Álvaro Ramos para co-produzirem o disco comigo. Eu continuo no “rock”, tenho uma guitarra eléctrica nas mãos, mas aqui abro portas ao fado. Ao fado e a tudo que a inspiração me diga que faz sentido…
Um dos temas fracturantes que temos desde o 25 de Abril é o da descentralização e/ou regionalização, sendo que o 2.º não acontece sem o 1º, mas na verdade continuamos sem nenhum. Achas que é no Interior onde sentimos mais este Portugal a várias velocidades?
Sim. Acho que no interior sentimos um Portugal a duas velocidades. Sentes isso, mesmo. E o maior problema é a velocidade irreflectida dos grandes centros, onde nunca se tem tempo para nada. Nem para olhar… quanto mais para reparar num país se sendo seu tem um lado na sombra. É como um sótão que guarda relíquias e só deixamos ganhar pó, e nem preservar sabemos. É assim que quem manda, década após década, age. O interior, o nosso interior é um sótão que não tem gente e como não tem gente “interessa”. Não tem gente, mas tem alma. Tem ficado demasiado distante… Não é um túnel entre uma montanha que vai mudar as coisas. É a mentalidade.
Como músico de Barcelos que, com indignu, começou a tocar “covers” das bandas do costume até à “1.ª divisão” do post-rock na Europa… este tipo de evolução artística era bastante mais difícil mais “para dentro”, não?
Possivelmente. A evolução artística é o mais importante. Porque haja ou não repercussão imediata, as criações artísticas têm um valor intemporal… Era improvável uma banda como indignu, passado mais de uma década, ser provavelmente uma referência num nicho tão específico como o post-rock, olhando para a sua trajectória inicial.
Na verdade o reconhecimento veio “de fora” na altura do Odyssea. Mas penso que não há melhor reconhecimento que teres “dois dos grandes de cá” como o Manel Cruz e a Ana Deus, a participarem num disco como o Umbra.
Tens aqui um verso brincalhão onde cantas “Bragança, tão perto de França”, numa alusão a uma localidade de Trás os Montes que tem o nome da nação gaulesa. O que me pôs a pensar neste país “de dentro”, aquele que realmente está virado para a Europa mas, ao mesmo tempo, aquele que mais se afasta dela. Também achas piada a isto ou podemos passar para a próxima pergunta?
Foi precisamente nisso que pensei. Portanto acho (muita) piada. A letra do Bragança, será a mais incisiva e de “intervenção” do disco, onde também se diz que “os lobos de Rio do Onor não se ouvem em Lisboa”.
Já que falamos em, diga-se, “terras da Província”, como tens visto o crescimento cultural de Aveiro?
Tenho visto que em Aveiro, e referindo-me mais à actividade e agenda musical, há pessoas que insistem (e ainda bem) em proporcionar espectáculos alternativos aos habituais registos de qualquer cidade. Seja no âmbito mais académico seja por vontade pessoal de enfrentar o marasmo habitual. Aveiro não é só aquele “postal dos ovos moles e da ria”. É muito mais que isso. É uma das mais belas cidades deste país, mas que precisa de quem cuide de si. Quem faça acontecer coisas. É um esforço por vezes, enorme, e a cidade tem que olhar mais para si enquanto palco de algo que acontece e se descobre do que naquelas referências turísticas que todos nós já conhecemos. É preciso novidade e penso que se está num início de uma nova fase em Aveiro. O Teatro Aveirense que parece ganhar fôlego ou por exemplo… o GrETUA recentemente e o Mercado Negro (que já tem muita história) são preponderantes para o crescimento cultural da cidade. Apoie-se mais esses locais e esses agentes culturais.
Pessoalmente, acho o Alentejo o “Portugalinho” mais específico e “seu” de todo o Portugal. Onde ficaria o teu “Portugalinho” de eleição: no Interior a quem dedicas o disco ou ao Litoral que te viu nascer crescer?
É uma bela pergunta. Eu adoro mar e montanha. E penso que onde terei mais mar e montanha será mesmo no Minho que me viu nascer. Em qualquer uma das serranias minhotas a uns trinta minutos do mar, seria esse lugar. Mas não posso deixar de referir Trás-os-Montes e o Alentejo como referências incontornáveis do meu (e do nosso) Portugal. São longos pedaços do nosso país com gente que tem orgulho de ser… e um orgulho salutar. Aquele orgulho que é a principal ponte para amar a sua terra.
7) Já agora, e visto que estamos perto do teu concerto no a.c. Mercado Negro, caso fizesses uma música inspirada em Aveiro consegues prever que estética esta teria?
Ocorre(u)-me isto:
Não, não! Veneza não és.
Basta-me seres Aveiro,
seres norte em tua costa
e nas tuas marés.
Entrevista de Luis Dixe Masquete