Homenagem a José Afonso e Vinicius de Moraes, assim como à liberdade, vai circular por palcos portugueses em abril
O projeto “Estrada Branca”, que junta Mônica Salmaso e José Pedro Gil, é uma homenagem a dois mestres da música, José Afonso e Vinicius de Moraes, assim como à liberdade, e vai circular por palcos portugueses em abril.
Em entrevista à agência Lusa, o músico português José Pedro Gil disse que o projeto com a cantora brasileira Mônica Salmaso, já editado em disco, “Estrada Branca” (2017) é “uma homenagem a dois grandes mestres da música e à liberdade”, sublinhando a importância de voltar aos palcos portugueses no ano em que se comemoram 50 anos da Revolução dos Cravos.
O terceiro cúmplice deste projeto é o letrista Carlos Tê, para enquadrar as diferentes canções em palco, que José Pedro Gil realça “ser um profundíssimo conhecedor da cultura brasileira” da época de Vinicius.
“Achei que era a pessoa indicada para, no fundo, fazer este trajeto que não era nada óbvio – como se juntavam estes dois vultos [José Afonso e Vinicius de Maoraes] no mesmo palco -, e entendi que era necessário alguém de fora, com essa capacidade e essa visão […], com a ligação à música que todos conhecemos, e com uma ligação muito forte ao Brasil, interessado mesmo nesta época. [Achei que] nos podia ajudar a fazer o ‘servimento’ destas canções, que avulso íamos escolhendo, e num encadeamento que nos fazia sentido. E ele fez isso de uma forma muito inteligente”, disse José Pedro Gil à Lusa, destacando “os textos muito bonitos” que Tê escreveu para o projeto.
A digressão de “Estrada Branca” abre em Évora, no dia 10 de abril, no Teatro Garcia de Resende, segue para Lisboa, onde acontece no dia 12, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, e, no dia seguinte, será a vez do Cine-Teatro de Amarante, encerrando no dia 14 na Casa da Música, no Porto.
O projeto recria repertório de José Afonso (1929-1987) e Vinicius de Moraes (1913-1980), com temas como “As Pombas”, “Canção de Embalar” e “Mulher da Erva”, de José Afonso, e “Estrada Branca”, o clássico de Tom Jobim, “Derradeira Primavera” e “Olha Maria”, com as palavras de Vinicius, a quem os brasileiros se referiam como “poetinha”.
Para a cantora Mônica Salmaso, “o concerto ‘Estrada Branca’ é atemporal no sentido em que passeia pela obra de dois gigantes das músicas brasileira e portuguesa”.
“A costura entre as suas personalidades musicais e poéticas, assim como do [meu] encontro no palco com José Pedro Gil e estes incríveis músicos, é a própria celebração do fazer artístico”, disse a cantora à Lusa, “radiante por voltar a Portugal no ano em que celebramos os 50 anos do 25 de Abril, cantando José Afonso e a sua força política, e Vinícius de Moraes com sua força libertária poética”.
“Tudo neste concerto foi concebido a partir da colaboração de maravilhosas pessoas em seus ofícios”, realçou.
José Pedro Gil, que editou um outro disco em nome próprio a partir do repertório do criador de “Grândola, Vila Morena” (“Outro Tempo”), disse que “é muito inusitado a ideia de juntar estes dois vultos”, e citou o musicólogo Rui Vieira Nery que, consultado sobre o projeto, afirmou que era “uma ideia bestial”, no sentido informal positivo, de único, muito bom, essencial.
Segundo o músico, Vieira Nery disse que José Afonso e Vinicius “têm uma relação muito divertida pelo facto de numa década [entre 1960 e 1970], os dois terem consolidado a maior parte do seu património mais expressivo, sob a égide da mesma língua, mas com semblantes completamente diferentes”.
José Pedro Gil e Mônica Salmaso juntaram-se com Carlos Tê e foram descobrindo nos dois repertórios “uma espécie de sol e sombra nestes enormes vultos nas culturas portuguesa e brasileira”, o que se reflete no concerto que tem cenografia do arquiteto Manuel Aires Mateus e encenação de Ricardo Pais.
Mônica Salmaso, por seu lado, também já tinha visitado o de Vinicius de Morais, igualmente “de uma forma mais camarística e menos óbvia, com o repertório menos conhecido”, por ocasião do seu centenário, em 2013.
José Pedro Gil disse que, inicialmente, quando decidiu juntar no mesmo palco “Zeca e Vinicius”, pensou que “podiam ser universos muito distantes, mesmo do ponto de vista da sintaxe musical, para além do património harmónico brasileiro ter uma riqueza absolutamente extraordinária, e Vinicius ter uma espécie de chão mais ligado à construção da música popular. Mas os dois surgem como dois rios que desaguam numa mesma foz”.
O músico realçou a “grande valia e interesse na composição de José Afonso”, além de toda “a razão retórica histórica e política”. E lembrou a suas aulas com a compositora Constança Capdeville, tendo considerado, já na altura, a melodia de “Redondo Vocábulo” “como das mais extraordinárias que alguém construiu sem que tivesse recursos académicos, musicais”.
“José Afonso não era um música encartado, era um super músico, um hiper compositor, tudo aquilo lhe vinha da alma, de dentro, mas não da academia. Fez coisas absolutamente extraordinárias”, disse José Pedro Gil.
O músico sublinhou também “a parte surrealista” da escrita poética do autor de “Os Vampiros”, igualmente patente na lírica de “Redondo Vocábulo”, entre muitas outras canções.
José Pedro Gil, que tem em Chico Buraque o seu mais recente projeto (“Trocando em Miúdos”), considera que a música de José Afonso “era muito mais que a intervenção política”: “A sua música autonomizou-se do aspeto político social”.
“O próprio José Afonso dizia que o seu comité central era ele próprio”, tendo recusado convites para militar em partidos políticos, lembrou.
“Há um José Afonso, autor, escritor, compositor, que foi pouco olhado”, disse, referindo que este projeto visa chamar à atenção para esta perspetiva, lamentando que o músico José Afonso esteja “distante das novas gerações”.
Quanto a Vinicius é, na sua opinião, “a expressão máxima da liberdade do artista, é um fôlego imenso de capacidade de fazer, independentemente da sociedade da época e como o olhavam”.