Houston, we have a Kiko
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Então o Chef Kiko foi convidado para e ganhou um concurso da NASA que não é da NASA, para o qual não foi convidado e onde nem sequer foi o único vencedor e o país caiu-lhe em cima, não é? A situação em si tem piada, eu sei. Um tipo chamado Kiko diz que foi convidado pela NASA, que vai fazer comida para Marte, veste-se de astronauta e vai brincar numa casa fictícia com uma rapariga com voz de bebé. Isto já nem é TV, é uma brincadeira de intervalo na escola primária. Claro que é hilariante! No entanto não me ofende, irrita-me um pouco, mas não me ofende porque não me choca. Aliás, não entendo mesmo a indignação que causou. O que é que o Francisco fez de tão grave?
“O que fez?! Mentiu e fez isso para parecer mais importante do que é!”, responde o leitor com um excesso de confiança que não se justifica numa pessoa que lê estas crónicas e posta citações de filmes que julga alternativos só porque os protagonistas pintam o cabelo.
Certo, ele mentiu, mas e quê? Não é isso que se faz por cá quando queremos holofotes? E não o fazem pessoas com muito mais responsabilidade? Não o fazemos todos?
O Kiko disse que ganhou um concurso da NASA, o Relvas disse que era licenciado, o Sócrates disse que era engenheiro, o Passos leu “A Fenomenologia do Ser” do Sartre, eu disse que tinha 17 anos e muita experiência à espanhola que me tirou a virgindade, etc. Se há coisa que fazemos bem enquanto povo é mentir para parecermos mais interessantes, para nos safarmos de más decisões ou quando disso podemos tirar algum proveito, logo, isto não deveria ser novidade, especialmente quando nos lembramos que ainda há bem pouco tempo tivemos gente importante a dizer que “o BES está sólido”, que “tudo vai ser reconstruído depois dos incêndios” ou que “ainda vamos ter saudades do Rui Vitória”.
Por isso é que não levo a mal esta pequena “inverdade” (tenho de aprender a falar opinion-makerês se um dia quero chegar aos jornais) do Kiko. Até porque no que toca a mentiras, esta é capaz de ser a que me afecta menos: não tenho planos para ir almoçar a Marte nos próximos tempos, não ligo a prémios que não sejam atribuídos a mim e odeio a NASA desde que deixaram o Bruce Willis morrer naquele asteróide. Não é a historieta ridícula que me chateia, chateia-me é o pensamento que está por trás desta e de muitas das outras mentiras, esta necessidade de nos metermos em bicos dos pés, de passar aos outros uma noção de prestígio que não trabalhámos para ter e que está tão enraizada na nossa cultura que o fazemos já instintivamente. Contamos a história da discussão que tivemos nas finanças e em que no final o funcionário nos pediu desculpa, mas na verdade ficámos calados, a única discussão que tivemos foi dentro da nossa cabeça e ainda pagámos a multa sem bufar; fomos o herói que mandou calar o racista que estava a ofender pessoas no metro, quando na verdade aumentámos o volume no Spotify e baixámos a cabeça; e somos muito amigos da princesa Diana porque uma vez lhe servimos um bolo num café, e esta foi mesmo contada na TV.
E é isto que me irrita. Não a mentira em si, que nós até costumamos criar boas mentiras, fazemos vozes e mímica e tudo, mas a maneira como recorremos a ela e os motivos que nos levam a fazê-lo. Principalmente quando tenho uma novidade incrível para dar e que agora vai parecer invenção. Mas cá vai:
Ontem ganhei o primeiro concurso mundial de comédia espacial promovido pela NAS… pelo Centro de Astrohumorismo de Funafuti (afiliado da NASA).
Trazer para Portugal este prémio é uma alegria e um orgulho enorme!
Nada se faz sem muita dedicação e disciplina. Todos os dias acordo com vontade de quebrar barreiras, fazer mais, fazer melhor e sobretudo honrar este espírito tão português de “Gozar com o Mundo”!
Nada é impossível!
Agradeço à minha incansável equipa e a todos os comediantes que trabalharam comigo neste projecto, em especial ao senhor Armindo do “café?! Fresco ou natural?”, ao meu tio do “puxa aqui o meu dedo que estou com uma cãibra”, à Carla que não sabe andar de saltos, mas insiste em calça-los e caminhar sobre a calçada portuguesa e ao Zé Diogo Quintela.
Vamos Portugal!