‘How to Become Nothing’: a busca pelo nada
No passado dia 6 de Maio, estreava no Cinema Passos Manuel, na cidade do Porto, How to Become Nothing, a versão cine-concerto do filme Fade into Nothing realizado por Pedro Maia e com textos e narração de Paulo Furtado, também conhecido por The Legendary Tigerman. Esta versão cine-concerto difere da versão final do filme na medida em que o público pode assistir ao filme, enquanto, no palco, e num espetáculo singular, estava o próprio Tigerman a acompanhar com música ao vivo.
How to Become Nothing é o resultado de uma viagem pelo deserto da Califórnia. Com a realização de Pedro Maia, a fotografia a cargo de Rita Lino e os textos e narração da autoria de Paulo Furtado, o resultado final é um brilhante registo cinematográfico onde o narrador nos relata o seu íntimo.
A estética cinematográfica merece aqui particular destaque, naquele que é um belíssimo espetáculo de planos e gravações conseguidos através de uma Super 8, que transporta o espectador para as áridas paisagens que vão surgindo ante si.
A personagem representada por Paulo Furtado encontra uma estranha – desempenhada por Rita Lino – no seu caminho pelo deserto. Nesse momento, decide albergá-la no seu carro e viajam juntos. Enquanto ela canta Horse With No Name, ele mexe o corpo com o vasto deserto como pano de fundo, numa sublime cena a lembrar clássicos cinematográficos de génios como Jean-Luc Godard. O duo volta mais tarde ao motel, partilhando o silêncio, uma cama e nada mais, sublinha o narrador. Isto desemboca numa estranha parte pela manhã, em que o narrador desconhecia o seu nome.
O narrador, por sua vez, diz-se uma desgraça, descrevendo a sua rotina diária, que segue religiosamente para, assim, aparentar uma “normalidade” para o exterior, aquela que lhe está ausente no interior, onde diz apenas existir escuridão. No seu seguimento, evoca uma figura étera que lhe aparecera certo dia no deserto, figura que, ora era mulher, ora se transformava numa outra criatura. Com isto, recorda um episódio ao ano de 1997, quando se encontrava sob o efeito de substâncias ilícitas, que diz já não tomar.
Nesta evolução narrativa, o mesmo diz-se em busca do conhecimento absoluto, afirmando procurar saber tudo sobre tudo, e ter em si uma sede imensa de conhecimento, que, uma vez saciada, o levará a desaparecer num nada, num vazio, num ausente. A caminhada leva-o a entrar numa igreja no meio do deserto, encontrando, ali, várias figuras iguais às que encontrara no deserto naquela noite de 1997, tanto na forma de mulheres, como de criaturas diferenciadas.
No rescaldo desta ocorrência, chega ao deserto, e cava um buraco em forma de sepultura, onde se deita e começa a cobrir-se com areia até não conseguir respirar. A certa altura, refere que sentiu-se a sair do próprio corpo, não o impedindo de se levantar, e de colocar, na areia, uma máscara que relembra a figura étera que surgiu no cénico deserto.
How to Become Nothing afirma-se assim, como um diário de um homem em busca de si e em busca do nada, um homem que encontrará ambos os destinos quando se encontrar a si mesmo, quando souber de si enquanto ser. Como missão, procura o conhecimento, procura saciar em si a vontade de saber, para, depois, ser nada. Carregado de uma forte vertente filosófica, How to Become Nothing destaca-se pela ousadia na sua criação estética e no seu guião, tornando-se num clássico em essência pela reflexão, e pela busca de nós mesmos e do nada em que nos iremos tornar, que desponta a quem assiste a esta obra.