I.F. Stone, o jornalista do futuro

por Lucas Brandão,    7 Junho, 2017
I.F. Stone, o jornalista do futuro
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Isidor Feinstein Stone, também conhecido por I.F. Stone, ou Izzy Stone, tornou-se um dos mais notáveis jornalistas dos Estados Unidos. Em pleno século XX, muito flagelado por conflitos e por contendas internacionais, este nome desdobrou-se em diversas empreitadas investigativas, envolvendo-se em várias controvérsias com o próprio governo norte-americano. Com um método audaz e meticuloso, foi instrumento proeminente na revelação de uma realidade que muitos tentavam ocultar, tentando contrariar com as premissas de superioridade norte-americana. Em favor da verdade, foi muito o que redigiu, a favor ou contra do seu país, mas sempre com intenções apontadas para a transparência da realidade.

I.F. Stone nasceu em Filadélfia, no estado da Pensilvânia, no dia 24 de dezembro de 1907, no seio de uma família de imigrantes judeus, provenientes da Rússia. A sua carreira jornalística arrancou precocemente, logo após concluir o primeiro ano do ensino secundário, colaborando com o jornal da escola – “The Progress” –  para além de ter sido empregado no “Haddonfield Press”, e no “Camden Courier-Post”. A sua irmã, Judy, seria, também ela, jornalista, acabando por se destacar na crítica cinematográfica, em especial no “San Francisco Chronicle”. Depois de algum tempo na Universidade da Pensilvânia, onde estudou Filosofia, sentiu-se preparado para se juntar ao “Philadelphia Inquirer”, periódico conhecido pelas suas derivações republicanas, mas que se demarcaria desse tipo de afiliações. Este órgão de comunicação social chegou a ser granjeado, até aos dias de hoje, com vinte Prémios Pulitzer.

Interessado pela política do seu país, e influenciado pelos escritos dos teóricos comunista Karl Marx, o anarquista Peter Kropotkin, e o liberal Herbert Spencer, para além dos do jornalista Jack London, Stone tornou-se num jornalista com forte pendor radical, juntando-se ao “Philadelphia Record”, rival do jornal supramencionado; escrevendo também para o “New York Post”, logo após a Grande Depressão Económica. Para além disso, juntou-se ao Partido Socialista Norte-Americano, descontente com a profunda desagregação existente nas associações de esquerda. O norte-americano constituiria família a partir de 1929, quando se casou com Esther Roisman, que seria sua futura assistente no projeto do marido “I.F. Stone’s Weekly”. O casal teve três filhos, incluindo Jeremy Stone, ex-presidente da Federation of American Scientists.

Nos anos 30, porém, o jornalista tornou-se membro da Frente Popular, tornando-se acérrimo opositor do nazismo e do fascismo. Para além disso, e após o tratado de não-agressão assinado pela Alemanha e pela União Soviética, não escondeu o desalento em relação à figura de Joseph Stalin, a quem comparou a Maquiavel. Assim, e como liberal assumido, entregou-se a contextos ideologicamente hostis para fins profissionais, envolvendo-se em pesquisas em espaços onde era visto com desconfiança e animosidade, tais como instituições governamentais, e outras organizações. Em especial, os registos que consultou pertenciam ao Congresso, incluindo audiências, reportagens, atas e debates. A grande especialidade de Stone era desvendar várias contradições entre a burocracia existente, e as várias expressões obscuras dos próprios órgãos políticos, revelando várias provas de que o governo combatia, de forma legal, certas liberdades e direitos civis dos cidadãos norte-americanos.

Em 1933, tornou-se repórter fora do seu estado-natal, passando a redigir para o “New York Post”. Aqui, não ocultou o seu apoio às políticas progressistas de Franklin D. Roosevelt, de reação à crise financeira ocorrida no final da década transata. Sobre isto, escreveu um livro – “The Court Disposes”, de 1937 – onde critica a postura do Tribunal Supremo, que boicotou grande parte das reformas versadas no “New Deal”. Como publicador e repórter, e após uma discussão formal sobre os moldes do seu trabalho daí em diante, revelou alguma leviandade, levando o diretor do jornal a colocá-lo sob a supervisão do staff editorial. Sentindo-se coagido e restringindo, Stone levou o caso a instâncias laborais e judiciais, que não deram razão ao jornalista. Em consequência do veredicto, demitiu-se, e passou a exercer funções no “The Nation”, onde foi editor em Washington, D.C. Dois anos depois de lá iniciar o seu trabalho, em 1941, lançou o seu segundo livro, de título “Business as Usual: The First Year of Defense”. Aqui, apresentou dados que denunciavam o mau planeamento e execução das estratégias de defesa governamental, tendo levado a uma atrasada produção e concessão de armas de apoio aos europeus anti-eixo.

Mesmo acolhendo o conselho de evitar o antissemitismo, não se coibiu em expô-lo no que toca à decorrência dos processos das próprias instâncias policiais, estas que visavam a exclusão de casos de subversão no próprio serviço civil. Até no próprio procedimento de recrutamento esta questão se verifica, constando, entre as várias questões das entrevistas, várias perguntas sobre as relações do candidato com indivíduos de etnia negra e de origens judaicas, para além de eventuais ligações com organizações vigentes na Segunda Guerra Mundial, e com os próprios simpatizantes de esquerda. Desta linha de atuação, Stone deduziu e apresentou que este meticuloso e rigoroso recrutamento visava evitar a entrada de liberais e de antifascistas no governo e nos órgãos de poder, assim como na identificação e segmentação dos envolvidos nestes. A ligação do jornalista a este periódico findaria em 1946, quando foi despedido depois de aceitar emprego no jornal “PM” (Picture Magazine), perspetivando-se como correspondente estrangeiro na cobertura do movimento de Resistência Judaica, a partir do qual se esperava a fundação do estado de Israel.

Nestas novas funções, enviou uma série de artigos sobre os refugiados judeus vindos da Europa, que tentavam evitar a oposição britânica para chegar à Palestina, onde se instalariam. Desta fase, mais um livro recebeu o cunho e assinatura de Stone, sendo ele “Underground to Palestine”. Para além de escrutinar sobre esse êxodo, apontou que os esforços pessoais e sociais efetivados acabariam por ter mais sucesso logístico se a migração fosse dirigida para os Estados Unidos. No entanto, a sua preferência pelo espaço palestino estaria ligada às suas raízes históricas, e à solidificação de uma identidade própria, alheia de quaisquer discriminações, que lhes permitisse uma contribuição sustentada no mundo. O seu jornal, em 1948, viria a fechar, mas isto não impediria a continuação do seu trabalho, ficando no “The Daily Compass”, para onde publicou os seus artigos até 1952. Até lá, e após apoiar as aspirações estatais dos judeus, Israel seria oficialmente reconhecido pouco antes no início da década de 50. No entanto, e enquanto amadureciam os litígios palestinianos e israelitas, o repórter começou a sentir alguma simpatia em relação à resistência árabe que lá prevalecia, pois eram vistos como socialmente inferiores. O governo israelita não escondeu o desagrado pelas opiniões de Stone, acusando-o de humilhação às suas fundações.

“To write the truth as I see it; to defend the weak against the strong; to fight for justice; and to seek, as best I can to bring healing perspectives to bear on their terrible hates and fears of mankind, in the hope of someday bringing about one world, in which men[and women] will enjoy the differences of the human garden instead of killing each other over them.”

As complicações do jornalista se associar à ala esquerda prosseguiram, tendo culminado no impedir de que o mesmo emitisse um passaporte para as suas reportagens internacionais. Em resposta a essa atitude, instaurou um processo em tribunal contra o próprio estado, sendo defendido pelo seu cunhado, Leonard Boudin, que reivindicou o direito de um jornalista viajar para cumprir os seus compromissos profissionais. Superado este obstáculo, viajou para o Israel nos antecedentes das complicações do Canal do Suez, e valorizou o crescimento do país, então mais estável e amadurecido. No entanto, exortou para os conflitos bélicos que se avizinhariam com os palestinianos, apontando a solução para a diplomacia, e para cuidados a serem conferidos redobrados para com os refugiados expulsos de Israel. A crispação mantém-se nos dias de hoje, profundamente influenciada pelos países que, então, mantinham orlas de influência; apesar do papel secundário que, a seu ver, a geopolítica tem, tanto para israelitas, como para palestinianos.

Stone viveu também a Guerra da Coreia, conflito que decorreu no auge da Guerra Fria, que distanciava Estados Unidos e União Soviética. O jornalista não poupou críticas a essa tensão existente, responsabilizando-a por criar restrições às liberdades civis e políticas dos cidadãos, e apontando para a consequência disso no próprio “Macarthismo”. Nos tempos em que isto se patenteava, em meados do século XX, acusava de insinuar o totalitarismo moral e social, criando uma onda de pânico e de censura aos grupos politicamente de esquerda. Sobre o próprio conflito na Coreia, discorreu num livro – “The Hidden History of the Korean War”, de 1952 – sobre as suas origens, enunciando os esforços governamentais de fundamentar o despoletar com a luta a manter contra a conspiração comunista de dominar o mundo, refletindo-se na própria propaganda comunicacional. Ainda naquilo que despertou a efeméride bélica está, no seu entender, a provocação da Coreia do Sul à Coreia do Norte a partir de ataques guerrilheiros, estes incentivados pelos norte-americanos, sendo os mesmos contra-atacados pelos que estavam separados pelo paralelo 38.

“All governments lie, but disaster lies in wait for countries whose officials smoke the same hashish they give out.”

In a Time of Torment: 1961–1967 (1967)

A carreira de I.F. sofreu mudanças quando, por volta dos anos 50, a pressão governamental sobre os indivíduos com ligações comunistas cresceu, abandonando o seu emprego, e até o trabalho radiofónico que vinha realizando até à data. Inspirado pelo jornalista investigativo de cariz reformista George Seldes, e pelo seu semanário “In Fact”, Stone criou o seu – “I.F. Stone’s Weekly” – onde tomou a liberdade para expor o Macarthismo e a discriminação racial vigente no país. O seu jornal foi o único que, através de uma atenta e reforçada análise sobre os incidentes no Golfo de Tonkin, que desencadeou a entrada norte-americana na Guerra do Vietname, colocou em causa e contestou o papel do presidente Lyndon Johnson nessa mesma contingência. O periódico, bastante influente à data, permaneceu oposto à Guerra do Vietname, tendo os vários artigos escritos então sido compilados e publicados em diferentes obras literárias, tais como “The I. F. Stone’s Weekly Reader” (1973), e “A Noncomformist History of Our Times” (1989).

Graças às afiliações de esquerda que lhe eram imputadas, também acusações de que servia como espião em terreno norte-americano eram levantadas, mesmo após o jornalista criticar, nos anos 30, a consolidação de poder de Stalin na União Soviética, pondo em causa a sua ideologia, alegadamente, de esquerda. Antes, já havia criticado Vladimir Lenine e Leon Trotsky pelo seu papel cruel e sanguinário no derrube do czarismo, mesmo tendo diminuído o volume das mesmas aos trotskistas existentes nos Estados Unidos. O seu patriotismo e integridade profissional continuaram, porém, a ser questionados, mesmo que nunca houvesse provas tangíveis de qualquer ligação a agências públicas e secretas soviéticas.

As suas origens judaicas seriam amenizadas em 1937, a conselho de um editor jornalístico, quando lhe sugeriu alterar a sua identificação, levando-o a ser menos rotulado por parte do público. Assim, nasceu a alcunha “I.F. Stone”, que o jornalista adotou com reservas, sentindo-se impelido a juntar à aura antissemita nutrida pelo país. Por essas razões, referia-se a si mesmo como “Izzy”, e não como a designação supramencionada.

O seu jornalismo seria, dessa forma, ereto, escorreito, e direto aos objetivos a que se propunha nas suas reportagens, debruçando-se sobre as várias fontes das temáticas tratadas. Influenciado pela velha guarda jornalística, entregava-se às inúmeras unidades de registos, tanto de fundo público como privado, e dedicava-se à identificação de figuras, factos, dados e citações referenciais para a construção da estrutura da sua exposição. Esses apontamentos estavam sujeitos à premissa fundamental do trabalho de Stone, sendo ela a verificabilidade das informações veiculadas nos seus artigos. Dessa forma, não fazia uso de contactos privilegiados, obtendo, deles, dados secretos e/ou confidenciais, e procurando isentar-se de qualquer pressão adicional. O profissionalismo e integridade que foi demonstrando durante o seu percurso profissional foram louvados desde cedo, e tornaram-se possíveis graças a essa apetência do jornalista por investigar e depurar os documentos que consultava.

Em 1971, Stone deixou a sua publicação semanal, após descobrir uma angina. Pelo seu trabalho jornalístico, recebeu o George Polk Award um ano antes; para além do Conscience-in-Media Award, em 1976, atribuído pela sociedade americana de jornalistas e autores. Depois de se retirar, licenciou-se em Línguas Clássicas na sua Universidade da Pensilvânia, aprendendo o grego, e redigindo “The Trial of Socrates” (1988), em que argumenta que o filósofo Sócrates queria ser condenado à morte para desvalorizar a virtude e a estabilidade da democracia ateniense. O livro tornou-se num sucesso, sendo bestseller no jornal “New York Times”, e foi traduzido para dezoito idiomas. Um ano depois, na cidade de Boston, no dia 18 de junho, faleceu após um enfarte no miocárdio.

“We simply find ourselves – as if trapped in a metaphysical maze – coming back century after century, though in a spiral of increasing sophistication and complexity, to the same half dozen basic answers worked out by the ancient Greek philosophers.”

The Trial of Socrates (1989)

Izzy Stone foi um dos jornalistas mais intrigantes do século XX em recinto norte-americano, tendo em conta o especial cenário geopolítico no qual os Estados Unidos da América estavam inseridos. Nunca esquecendo as suas orientações políticas mais ou menos controversas, não deixou um dado saltar para os jornais sem ser altamente escrutinado, examinado, avaliado. São várias as reportagens e os estudos imortalizados na imprensa e na literatura, onde também despontou, contra a maré consentidora da veiculação de informação de então. Usando um método quase científico, foi com disciplina, abnegação e ambição que se desdobrou em questões polémicas, algumas delas ligadas à sua própria história pessoal. Assim, e com a primazia da credibilidade, da verificabilidade, e do sentido de realidade, se valorizou e se eternizou um nome de referência para a futura prática e experiência.

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