‘Ide apanhar o autocarro na vossa terra’

por João Pinho,    6 Julho, 2018
‘Ide apanhar o autocarro na vossa terra’
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A nossa noção do grau de racismo na nossa sociedade depende, em grande medida, do lado em que estamos da barricada. Por outras palavras, do nosso sentido da realidade, como dizia James Baldwin, escritor e activista negro.

Agora a questão: por que raio é que em Portugal não tem de haver nenhuma pessoa racista? Por que teríamos de ser diferentes? Por sermos um país multicultural que no século XV viajou pelo mundo? Será que os Descobrimentos abriram os nossos horizontes nesse sentido? Não, até porque fomos dos primeiros a começar a escravatura (e o fim da mesma foi como foi).

Apesar disso, a sociedade portuguesa tende a acreditar que é das menos racistas da Europa. Eu próprio tendo a cair nesse erro. E é um erro crasso. Porque para além de demonstrar uma falta de informação, acaba por ocultar uma realidade mais profunda. Num país onde nos livros de história, o papel português na escravatura é visto como “fofinho”, olhamos com desprezo para os países de língua lusófona, temos um parlamento pouco diversificado até em termos de género, somos xenófobos em relação a minorias como a etnia cigana, temos inúmeros casos de violência policial nos bairros mais pobres da periferia e não só de Lisboa. De resto, um país impecável, porque ou não vemos estes casos ou não queremos saber deles. Ambas as posições são civicamente reprováveis, em maior ou menor grau.

Segundo um estudo feito por três investigadores portugueses, The Role of Egalitarian and Meritocratic Norms on the Depersonalization of Black People, conclui que, ao cruzar com outros estudos europeus, somos um dos países onde o racismo cultural e biológico é mais elevado, sendo que, no segundo caso, somos os campeões da competição. Ao contrário de outros países, o nosso racismo ainda está, diria eu, na primeira fase, a fase instintiva. Ao longo do surgimento e desabamento das civilizações, existiram diversas hierarquizações das sociedades, é uma constante. Umas basearam-se nas questões raciais, religiosas ou económicas. Ao contrário de outros países europeus, ainda não existe um racismo ideológico expressivo ao ponto de estar representado, por exemplo, no parlamento. Ainda. Mas isso não significa que possamos estar mais descansados e que isto é o paraíso civilizacional.

A prova do nosso racismo institucional e generalizado nos vários patamares da sociedade é o último caso onde uma jovem negra foi agredida por um segurança de uma empresa privada, 2045, contratada pela STCP. Isto não é um caso insólito no meio de uma aldeia a duzentos quilómetros de um meio urbano. Não! Aconteceu no Porto. E o que fizeram os polícias posteriormente à chegada do local do crime? Nem os nomes dos envolvidos apontaram. Nem uma ambulância chamaram para socorrer a vítima. Todos os pretos e “pretas de merda” têm o direito de serem defendidos tanto num tribunal como pelas forças de segurança. Ironicamente, o local para onde o criminoso mandou-a ir, “Ide apanhar o autocarro na vossa terra”, é Portugal. Portugal, um país diversificado, dos pretos e dos brancos, mas onde, aparentemente, os segundos têm mais direitos que os primeiros e isso é preocupante.

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