Identidade de género
Estou particularmente à vontade para escrever sobre identidade de género, homossexualidade e outros temas mais ou menos fraturantes. Fui criado por um casal de mulheres homossexuais e o meu pai foi, porventura, o primeiro comunista a assumir-se publicamente como gay. Nunca tive qualquer tipo de complexo ou problema com isso, para mim um homem gostar de homens ou uma mulher de mulheres é tão natural como o amor heterossexual.
Da mesma maneira, e por uma razão ou por outra, conheci alguns miúdos incapazes de compreender o que lhes estava a acontecer. Miúdos que se sentiam (e eram) miúdas. E miúdas que se sentiam (e eram) rapazes. Gente que sofreu muito, gente que pagou um preço elevado, que se suicidou e levou as famílias a um profundo desespero.
As famílias que viveram uma situação destas, os pais que viram crescer filhos num profundo desespero, sabem bem o que tiveram de ouvir e o que tiveram de amparar os seus filhos. E muitos filhos, ao invés, também sabem o que sofreram com as suas famílias, as que nunca os aceitaram, as que os obrigaram ao deserto. Conseguem imaginar a vida desses miúdos nas escolas? O que ouviam dos colegas? As humilhações?
O novo diploma sobre identidade do género foi apresentado pelo governo de uma maneira muito pouco profissional ou então, o que me recuso a aceitar, apresentado discreta e envergonhadamente, a medo diria. Deveria ter sido gerada uma discussão pública e o assunto ganharia em não ter sido apresentado em agosto.
Posto o problema político, vamos ao essencial. E à manipulação da discussão sobre o tema que tem estado na ordem do dia: o uso das casas de banho de raparigas por rapazes e das casas de banho de rapazes por raparigas. Ouvi isto de pessoas com informação, pessoas teoricamente informadas. E é uma falsa questão, o diploma não permite que rapazes possam frequentar a casa de banho das raparigas e vice-versa. Permite apenas que os miúdos “transsexuais” possam escolher que casa de banho frequentam – para que não tenham de sofrer como sofrem hoje.
Entretanto uma petição que já vai em milhares de assinaturas pede a suspensão do despacho. Fiquei atónito com os argumentos utilizados por militantes conservadores, muitos deles ligados à Igreja Católica. Leio no Público alguns dos argumentos destas estranhas pessoas:
“Não existe igualdade de género, Deus criou o homem e a mulher”; “não é o que os jovens necessitam, o que lhes pode trazer equilíbrio e felicidade é uma família estruturada. Tudo isto contribui para o oposto”; ou “o que vai acontecer nas escolas, é uma vergonha!”
Para estas alminhas, estou em crer, será melhor Deus não existir. Porque se existir será tramado o seu juízo final.