“Il Boemo”, de Petr Václav: toca as notas mais altas da Concha de Ouro
Quando um filme (que ultrapassa as duas horas) nos arrebata do início ao final é porque se trata, não só de algo muito apelativo, mas também porque está cuidado nas suas diversas componentes. “Il Boemo”, de Pete Václav, revê a sua estreia mundial aqui em San Sebastian e é daqueles casos raros e totalmente conseguido que se arrisca a altíssimos voos. Desde já, um salto muito confiante como fortíssimo candidato à Concha de Ouro. Isto apesar de ser já conhecido como o candidato checo aos Óscares. E, muito provavelmente, aos prémios do Cinema Europeu. Fica assim em alta a expectativa deste projecto biográfico que, há mais de uma década, estuda a efervescente, e efémera, carreira do compositor Josef Myslivecek, que foi amigo e professor do muito jovem W.A. Mozart.
O compositor teve uma vida curta, pois as aventuras amorosas e os espectáculos nos mais prestigiados teatros e cortes europeias foram interrompidas aos 44 anos quando ‘Il Boemo’ morreu de sífilis. Inevitavelmente, um filme que vive também da magistral interpretação, ainda que necessariamente contida, da vedeta checa Vojtech Dyk, um actor, mas também músico, com vasta experiência.
A sensação é ao mesmo tempo a de um magnífico musical de época, articulado pela forma de um projecto europeu muito cuidado. Algo que Václav consegue com a colaboração irrepreensível dos dois directores de fotografia, Diego Romero e Suarez Llanos, bem como a vénia ao alto gabarito do corpo de intérpretes de ópera e ainda, claro, ao sumptuoso guarda-roupa a cargo de Andrea Cavalletto. Esta enorme confiança permite-lhe avançar com garra num filme de ópera vibrante que faz de cada número musical um evento cheio de acção, na vida boémia de uma Itália na segunda metade do século XVIII, sempre dividida pelos seus reinos, embora unida pelo espectáculo da ópera. Em particular, a opera buffa, de origem napolitana, muito apoiada na força interpretativa, na estética exuberante e na caracterização dos actores, algo impecavelmente reproduzido no filme. Mas quando no final, “Il Boemo” se lamenta da chegada das “melodias” e da música “mais simplificada”, a significar a sua popularização e, eventualmente, menor fôlego artístico.
Talvez seja forçada a nota, mas em diversos momentos musicais de total intensidade dramática de “Il Boemo”, recordamos momentos do show musical de David Bowie, actualmente em exibição. É claro que a secular distância história obsta a esse atrevimento. Embora, a interpretação empenhada do bel canto, como aqui vemos, possuída pela força dos intérpretes em registo natural, inevitavelmente nos recorde mais Amadeus, embora aqui com outros notas (e níveis) de virtuosismo.