Imunidade de grupo: existe ou é para desistir?
Desde o início deste pesadelo universal que o termo Imunidade de Grupo está para nós como o 42.º Km está para a Maratona. Fará sentido continuar a falar deste termo, com os dados que temos? Vou tentar responder a esta pergunta. Numa doença contagiosa de pessoa para pessoa (ou animal para animal), quando entra numa população em que ninguém teve contacto com o agente infeccioso, todo o grupo está em risco de ser infectado. Se deixássemos a natureza actuar livremente, uns morriam, outros sobreviviam à doença e desenvolviam imunidade, e outros tinham a sorte de não ser atingidos porque as cadeias de transmissão foram interrompidas pelas mortes e pela imunidade. E como tal este grupo ficou imune (herd imunity – imunidade da manada). Isto é particularmente importante para pessoas que não podem ser vacinadas ou em que o sistema imunitário é incapaz de criar imunidade, e como tal estão na mesma protegidos pelo todo que já não transmite a doença. E assim se consegue a erradicação da doença, quando deixa de haver transmissão comunitária (pode ser só numa zona) e deixa de ser necessário ter medidas de saúde pública para a dita doença. Poliomielite por exemplo. Não desapareceu, mas está erradicada em quase todo o planeta pelos altos níveis de vacinação. Em zonas onde a vacinação foi interrompida, p.e. Síria, houve surtos muito graves para crianças inocentes.
Este conceito pressupõe que a imunidade seja vitalícia e que os imunes não transmitam a doença. E em relação ao vírus SARS-CoV2 estes pressupostos estão postos em causa. Quanto à duração da imunidade, o tempo terá que nos dar essas respostas, mas relembro que não é avaliada apenas pelo decréscimo de anticorpos, há mecanismos de memória imunológica que nos podem valer durante muito tempo. Quanto à não transmissão da doença, o que sabemos neste momento é que os vacinados transmitem pelo menos metade do que os não-vacinadas. Então o que lhe vamos chamar, uma semi-imunidade de grupo? Eu acho que esta pergunta tem que ser respondida com outra pergunta: o que é que isso interessa?
1) Ao contrário da maratona, em que ficar a meio pouco interessa, a Imunidade de Grupo, não é um fenómeno; Tudo ou Nada. À medida que formos aumentando o número de pessoas protegidas de doença grave e morte, as medidas de controlo de saúde pública, deixam de ser relevantes. Se isso se faz com 30%, 50%, 70%, ou 85%, eu diria que pouco interessa. Quantos mais, melhor.
2) Convém sempre relembrar que a razão pela qual confinamos e tudo mais, for para que os hospitais pudessem salvar vidas quer Covid, quer não-Covid. Ou seja, chamar-lhe % para Imunidade de Grupo, ou % para que o número de pessoas desprotegidas deixe de pôr em risco o funcionamento dos serviços de saúde, para o entendimento da opinião pública parece-me idêntico. Relembro que na 1a vaga, entre identificar o 1º caso no país, e entrar em confinamento total foram menos de 3 semanas, e fui o suficiente para que os hospitais ficassem do avesso. E estima-se que o vírus apenas chegou a 2% dos portugueses na 1a vaga.
3) A variante Delta ao ser mais contagiosa, obriga a que o número de pessoas imunizadas seja maior. E ao ser mais agressiva em pessoas mais novas e mais saudáveis, obriga também a que o número de pessoas imunizadas em faixas etárias mais baixas, seja maior.
4) Tendo em conta que a vacina protege na ordem dos 90-95% para internamentos e mortes, ter 10 a 20% da população não imunizada (seja doença ou vacina) pode ainda fazer muitos “estragos” na pressão hospitalar, num regresso à normalidade, mais ainda com o Outono/Inverno em que os convívios indoor são inevitáveis e desejáveis.
Ninguém sabe o valor ao certo, para uma suposta Imunidade de Grupo, e também ninguém sabe qual a % de não-imunizados para que os sistemas de saúde deixem de estar em risco, assim como as vidas das pessoas que dele dependem.
O que se sabe, é que para acabar com máscaras, quarentenas, distanciamentos, restrições de viagens, condicionamentos hospitalares e vidas a partirem cedo de mais, quanto mais pessoas estiverem imunizadas melhor, agora o que se chama a esta percentagem, parece-me uma questão menor.
Para simplificar, eu continuaria a chamar-lhe Imunidade de Grupo, a % de imunizados que nos retirará as medidas de saúde pública, e que nos trará muitas das alegrias perdidas, de volta.