IndieLisboa: ‘Olmo e a Gaivota’
Petra Costa e Lea Glob apresentaram ontem, no IndieLisboa, a sua mais recente obra, a longa-metragem “Olmo & the Seagull” (ou “Olmo e a Gaivota”), a participar na competição internacional. É um filme que conta com uma gigante produção entre França, Brasil, Dinamarca, Portugal e Suécia. O Som e a Fúria representa a colaboração portuguesa na produção deste projecto e, como sempre, aposta num filme com grande qualidade que deixa o público navegar no íntimo das personagens e dos actores.
Trata-se de um documentário ficcional muito bem recebido pela crítica e pelo público, que nos envolve na sua teia entre o real e o ficcionismo de mais do que uma vida. Por vezes não conseguimos separar o que é real do que não é, existe uma espécie de simbiose perfeita encontrada pelas realizadoras, que permite ao público acompanhar as personagens de um ponto de vista próximo e essencialmente humano.
O filme foca-se nos pensamentos labirínticos de uma mulher, Olivia, pensamentos que mais tarde geram reacções e sentimentos mais herméticos. Olivia é uma atriz italiana completamente desprendida de regras e hábitos sociais. No momento em que o filme começa, Olivia está a estrear um novo papel, Arkadina, na peça teatral “The Seagull” do dramaturgo Anton Tchekhov. Serge, o namorado de Olivia, também entra nesta mesma peça e contracena com Arkadina no papel de Trigorin, ambos actores do Théatre du Soleil. No primeiro acto da narrativa, algo nesta realidade muda quando Olivia Corsini descobre que esta grávida de Serge. Inicialmente Olivia não quer desistir, quer continuar a ser actriz conciliando-o com a sua gravidez, mas, mais tarde, descobre que nem tudo é como se planeia.
As duas personagens principais representam-se a elas mesmas, à sua relação, e a gravidez descreve também a realidade. Com uma realizadora brasileira e outra dinamarquesa, o filme é maioritariamente falado em francês, com pequenas partes em italiano e espanhol. Existe uma fusão internacional no filme, como já descreve a própria produção do filme.
É um filme bastante interessante tanto pela linguagem estética utilizada pelas realizadoras Petra Costa – Lea Glob, bem como pela forma sagaz de introduzir as banalidades e as situações quotidianas feitas com tanta mestria e ao mesmo tempo com tanta simplicidade. O espectador sente a proximidade da vida das personagens, com a sua própria vida. Este é um ponto bastante curioso, a instante conexão do público à narrativa.
Também importante é o circulo de afecções que se geram à volta de Olivia, Serge e Olmo. Aquilo que ela espera, as expectativas dele e a realidade nua e crua. Portanto a narrativa mexe-se silenciosamente, fabricando factos reais, bem como imaginários, conversas íntimas, sentimentos estagnados, medos e pequenas libertações. Há uma espécie de encadeamento crescente, onde a narrativa se vai tornando cada vez mais dramática, atingindo o seu pico no segundo acto, para mais tarde ter um desfecho mais libertador.
Assim que Olivia descobre que terá que ficar sete meses em casa sem se mover, o apartamento passa a ser um espaço miserável, aborrecido, onde não há nada de novo, sendo aqui que a câmara passa a ser a sua confidente, a sua companheira. Regista com ela as pequenas realidades quotidianas, e descreve as transformações psíquicas e físicas de Olivia. Nesta mesma parte, onde a câmara regista esta relação tripartida entre câmara, Olivia e Serge, surge uma das partes mais relevantes do filme, quando a cena é interrompida pelas realizadoras, e é aqui que o espectador, embora baralhado, percebe que há uma relação quadripartida, onde a interação se gere a quatro ou talvez a cinco (a câmara, Serge, Olivia, Olmo e as realizadoras).
Esta linguagem meta-linguística e cinematográfica cria uma pergunta bastante significativa no espectador, nas personagens e na própria equipa – O que é a realidade? O que é imaginário? – Neste documentário fica-nos a questão do tempo, o medo da solidão, as inseguranças da inexperiência e as travessias dos pensamentos existenciais e dos pensamentos a sós. Também se levanta uma questão pertinente, serão os actores personagens, ou serão as personagens actores? Dá que pensar, o que é criado e o que é genuíno, ou será que não há diferença entre os dois!? Há então uma travessia entre a barreira que se cria entre a representação e a realidade.
É um filme que tem uma vertente muito próxima, muito humana e é a conjugação dos elementos fílmicos que permite esta tal proximidade. A montagem tem supremacia, parece tão orgânica, fluente, tão contígua; mostra-nos a tal passagem pela vida das duas personagens principais.
Em suma pode-se dizer que é um filme bastante delicado, sensível, mas muito bem trabalhado pelas realizadoras que criam uma nova linguagem para descrever a realidade. É marcado pelo naturalismo e espontaneidade dos actores e personagens. Essencialmente é um filme que retorna a um universo profundamente feminino, mas não feminista, e acompanha o ponto de vista de Olivia Corsini, apesar do espectador se encontrar próximo da relação entre as duas personagens e a câmara.
“Olmo” é o nome do bebé e “A Gaivota” o nome da peça que criou toda esta dinâmica labiríntica entre os pensamentos e sentimentos de Olivia e Serge. O filme termina com o nascimento do Olmo!