Inovação tecnológica como IA desafia cultura de antecipação em vez de reflexão, refere o professor e investigador Vania Baldi

por Lusa,    24 Março, 2024
Inovação tecnológica como IA desafia cultura de antecipação em vez de reflexão, refere o professor e investigador Vania Baldi
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O professor e investigador Vania Baldi considera, em entrevista à Lusa, que inovações tecnológicas como a inteligência artificial (IA) desafiam “uma cultura da predição e de antecipação”, do pensar o agora, em detrimento da reflexão.

No seu livro “Otimizados e desencontrados: Ética e crítica na era da inconsciência artificial”, Vania Baldi elabora um conjunto de análises sobre a relação entre a inovação tecnológica e vários setores.

Sobre o que o levou a escrever o livro, o investigador destaca “anos de pesquisa e de trabalho nesta área” ao facto de “ao longo dos últimos anos” ter-se deparado “com alunos e investigadores jovens e seniores a lidarem com as inovações tecnológicas”.

Daí resultou a análise sobre a forma como se lida “com o fenómeno da inovação e da imergência das novidades tecnológicas e todas as repercussões nos diferentes âmbito da vida quotidiana, quer pública, quer privada”, sublinha.

Capa do livro

Em suma, trata-se de uma análise “da maneira como costumamos olhar e apreciar todo este lado da inovação tecnológica”.

Depois, “tendo estudado vários aspetos de como a tecnologia interfere em vários processos da nossa vida, também quis analisar várias interconexões entre aspetos oriundos da tecnologia que são assimilados e retraduzidos nas práticas laborais, relacionais”, no estudo, na comunicação, “tentando perceber como algumas dessas inovações são às vezes, em parte, transformadas” pela forma como são utilizadas, prossegue Vania Baldi.

No fundo, o objetivo foi “analisar as interrelações entre as diferentes esferas da organização do social, da política e a comunicação digital”, o mundo do trabalho, do ensino, das relações, do ambiente e a tecnologia digital. 

Isso inclui também a análise à “relação com o tempo, onde é muito presente a discussão sobre um conceito-chave que é o presentismo, ou seja, perdemos uma relação com a temporalidade, com algo que tem uma dimensão de médio/longo prazo sobre o qual podemos investir e, portanto, esperar, de conseguirmos deixar amadurecer os fenómenos para depois aproveitá-los” e isso “tudo reduz-se em sistemas aliciados por sistemas de inteligência artificial que estão sempre a desafiar uma cultura da predição, da previsão, da antecipação”, sublinha o académico.

O foco no “agora”, que é algo que vem de uma sociedade mediática sempre ligada às últimas estatísticas, sondagens, tendências, “deixa de lado a capacidade de poder pensar como traçar um futuro” e como não há uma perspetiva de médio/longo prazo, “deixa de haver uma reflexão sobre as interrelações entre passado, presente e futuro”, jogando uma espécie de ‘pingue-pongue com o presente”, considera.

Ora, isso torna-se “um acelerador de fenómenos da polarização, de uma consolidação forte de crenças, da falta hábito em pôr em discussão, de autorrefletir sobre a própria maneira de interpretar e sentir as coisas”, acrescenta, apontando que para as pessoas mudarem é preciso tempo, “até de vazio informacional”, para “amadurecer uma ideia”, sublinha.

No livro, Vania Baldi também aborda a ideia da inconsciência artificial, num capítulo dedicado à IA, que é uma “crítica da maneira como se perspetiva a noção de inteligência”. Esta passa pela capacidade de “poder suspender o juízo, poder ficar com a dúvida, de refletir sobre a dúvida e, eventualmente, voltar atrás, adaptar-se a contextos diferentes”, diz. 

Ora, a IA “visa apenas otimizar processos funcionais com lógicas computacionais”, “não questiona, ao contrário da inteligência humana”, salienta o investigador.

O objetivo do livro é, em síntese, “tentar que o implícito fique explícito, tentar revelar uma parte das coisas sobre as quais dificilmente questionamos numa perspetiva crítica” para que haja uma reflexão sobre as várias dimensões de impacto da tecnologia na forma como se vive. 

Até porque atualmente “temos um conhecimento que nunca tivemos sobre vários aspetos da vida humana, clima, tecnologia, biologia”, entre outros, mas “apesar de tudo sentimo-nos impotentes face ao que podemos fazer para transformar as coisas”, remata.

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