Intimidade no primeiro dia de Douro Rock, o festival-pérola do Douro

por Magda Cruz,    11 Agosto, 2019
Intimidade no primeiro dia de Douro Rock, o festival-pérola do Douro
Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA
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A cidade ribeirinha de Peso de Régua, em Vila Real, convidou o país para dois dias de música totalmente portuguesa. A 4.ª edição do Douro Rock recebeu ProfJam, Dino D’ Santiago, Clã e David Fonseca. No primeiro dia de festival, fez-se a festa com diferentes gerações de músicos, naquele que se adivinha ser um “festival-pérola”.

As portas abrem às 19h30. O público vai entrando e aquecendo ao som de Xutos e Pontapés. O vídeo que passa nos ecrãs relembra essa atuação na edição passada, quando os Xutos fecharam o festival. Agora, o recinto compõe-se, lentamente, para ver Profjam a abrir as festividades de 2019.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Quando Mário Cotrim sobe a palco, de nome artístico ProfJam, já tinha para quem atuar. Como um anjo, ProfJam vem afirmar-se junto do público, acompanhado de Mike El Nite e o baterista Gui, vestido de branco da cabeça aos pés. É uma piscadela de olho aos mais distraídos que não sabem que #FFFFFF (nome do novo álbum do artista) é o código para a cor branca. Depois de uma vénia ao público, ProfJam abre com “À Palavra” e canta as palavras “levanta-te e anda!”, como que batizando o público.

“Quem é que está vivo aqui?”, grita Prof, “Vocês alimentam-me a mim e eu a vocês.” E assim foi. O bigode farfalhudo, que faz parte do novo visual, dá-lhe carisma e permite-lhe andar pelo palco como se já o conhecesse há muito – e essa confiança notou-se cada vez mais. Disse “só sei ’tar na minha” e o público reconheceu isso. T-shirts começaram a sair, braços cada vez mais no alto. A energia aumentava e ProfJam agradecia isso mesmo aos “putos da Régua, onde me sinto em casa”.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Quase uma hora de rap depois, deixamos a praia fluvial de Peso da Régua e vamos até “Malibu”. Prof aproxima-se da linha que separa os homens de branco do público, canta e cumprimenta os fãs. Ficou sem os óculos de sol por uns momentos, mas nada o abalou. Cantou: “Isso é água de côco/ Côco/ E a mim sabe a pouco”, mas ao público o refresco soube pela vida.

É a vez de Dino D’Santiago atuar. O artista com raízes cabo-verdianas mostra-nos um “Mundo Nôbu”, com o apoio de Sol Lopes, Sofia Grácio e Nayela Simões, que para além das backing vocals trazem ritmo às músicas. Dino prometeu um concerto baseado em reciprocidade: toda a energia que o público lhe der é devolvida. Assim, leva-nos até à “Nova Lisboa” e pergunta “Qual é a ideia?/ Não ouves a tua cidade a chamar por ti?”. O público ouve o chamamento e dança – e muito. Dino, com ternura, diz: “É essa energia, família.”

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Mesmo passando por temas sobre emigração forçada “por falta de condições na terra natal” e escravatura mental, ninguém para de se abanar. Mas o público “rebenta” quando Dino canta o tema “Como seria”. Esta música, dedicada às mulheres, podia acalmar os ânimos, mas a forte transição para a “Nôs Funaná” não deixou.

Quando todos se achavam satisfeitos, eis que Dino salta do palco do Douro Rock para junto do público. “Não tenham medo, aproximem-se e formamos um círculo”. Juntos cantam “Sodade”, num tributo a Cesária Évora e num momento muito íntimo. Como se trata de um festival relativamente pequeno, teve cerca de 14 mil pessoas em 2018, é fácil de se criar proximidade e isso joga muito bem para os dois lados – artista e festivaleiro. No fim, uma confissão: “É bom sentir que de norte a sul do país temos um público tão eclético. Não duvidem de que vivemos no melhor país do mundo.”

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Os Clã estavam prestes a subir a palco quando ouvimos, no meio do público, alguém a comentar que o Douro Rock tinha potencial para se tornar num Paredes de Coura. No Peso da Régua está mesmo uma pérola escondida. Neste festival, amantes de música de todas as idades, sentados na relva ou coladinhos à frontline, encontram muito rock, algum pop, indie, soul e hip-hop.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Está na hora de os Clã voltarem aos palcos depois de “demasiado tempo” longe. “Desculpem qualquer coisinha”, ri-se a vocalista, Manuela Azevedo. Abrem o concerto com uma música nova – e não seria a única estreia da noite. Ao todo são quatro os novos temas tocados e a banda já tinha admitido estar nervosa por isso mesmo. Alguns colaboradores do novo disco são Carlos Tê, Sérgio Godinho, Samuel Úria e Capicua, a quem a vocalista se refere como “alguém que ama profundamente a palavra”. O lançamento destas novas músicas está previsto para o início do próximo ano, mas quem esteve no Douro Rock pôde ouvi-las antecipadamente.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Vimos uma banda solta, a divertir-se e a entreter profundamente – ou não fossem as músicas tão poéticas. Ganham o público com “Sangue frio” e com a maneira como se entregam totalmente à música. Tocar guitarra com os dentes também não é um problema para Hélder Gonçalves, o guitarrista e compositor. Depois do último álbum, “Corrente”, a paz já não cai bem à banda. Os Clã estão preparados para mostrar o repertório novo.“Uma das coisas na música é que uma pessoa nunca sossega. Há sempre coisas novas a acontecer”, explica a vocalista.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Uma guitarrada, um vozeirão estranhamente doce… É o David Fonseca que se anuncia. Se com o Dino a pergunta “O novo concerto é o concerto junto do público?” ficou no ar, com David Fonseca ficamos esclarecidos. A fechar a noite, David traz o espetáculo mais longo, mas também o mais colorido, íntimo e amigo de todas as idades. “Estamos convencidos de que esta noite vai durar até às seis da manhã. Pelo menos a vossa energia está de acordo com isso”, brinca David.

Entretanto, um diálogo toma lugar enquanto David se eleva, num degrau, com a sua guitarra:“É ele o filho do Tony Carreira?”, “Opá, claro que não.”, “Olha que acho que é.”, “Não é nada!”, “Ainda bem porque ele canta melhor que o suposto pai.”

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

Cada vez que o público se acalmava, David puxava de novo por ele, prometendo acordar toda a cidade. A meio grita “Peso!” e é-lhe devolvido “Da régua!” – é um “hino” que diverte todos durante algum tempo. Depois, ressuscita António Variações com uma música que têm cantado ao longo dos anos para o eternizar. A poucos dias da estreia do filme biográfico “Variações”, David Fonseca interpreta, com grande força, “O corpo é que paga” e todos acompanham uma das únicas músicas que canta em português.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

E com o corpo foi para o meio do público, já perto das três da manhã, “reincendiando” o público. Depois de um divertido “Just Can’t Get Enough”, dos Depeche Mode, bolas gigantes coloridas andaram por cima do público, confetis foram lançados para o ar e, no final, voltámos a sintonizar com a “Radio Gemini” para a música “Oh my heart”. Corações caíram do céu, ouviram-se muitas palmas e ficou o desejo de um ótimo segundo dia de festival.

Fotografia de Gustavo Carvalho / CCA

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