‘Is This The Life We Really Want?’: O regresso enérgico de Roger Waters
Is This the Life We Really Want? é o nome do tão aguardado álbum do ex-líder e baixista dos Pink Floyd, Roger Waters. Passados 25 anos do seu último álbum rock, Amused To Death lançado em 1992, chega o tão esperado trabalho que foi desenvolvido entre os anos de 2010 e 2017, com canções e letras que apresentam críticas bastante pertinentes às políticas e às questões sociais do presente, à semelhança do que o músico fizera com Animals e The Wall enquanto líder dos Pink Floyd mas desta vez com canções novas que se adaptam à realidade dos dias que correm. Roger Waters, que perdeu o avô e o pai na I e II guerra mundial respectivamente, sempre se mostrou um grande crítico aos conflitos entre países, aos muros que criavam fronteiras e barreiras entre as pessoas, às acções que nada faziam para resolver os conflitos mas sim para criá-los, e nos últimos tempos tem-se mostrado uma das vozes mais críticas ao programa e às políticas exercidas pelo actual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O título do álbum apresenta uma questão feita pelo próprio Roger Waters ao mundo que ultimamente tem vivido uma série de acontecimentos que nos colocaram a todos sem excepção a reflectir sobre as acções humanas. A capa apresenta um pedaço de texto que parece estar censurado e onde apenas é vísivel as palavras que formam a frase que intitula o álbum. Fiel ao seu estilo sem papas na língua, que chega por vezes a gerar controvérsia, Is This the Life We Really Want? é a tese sobre os últimos acontecimentos feita pelo músico britânico que, embora a caminho de completar 74 anos em Setembro, se apresenta com uma energia e uma motivação notáveis de fazer inveja a muitos músicos mais jovens.
O álbum começa com uma pequena introdução denominada por When We Were Young, onde se pode ouvir uma sequência de frases proferidas por Roger Waters seguindo-se de Déjà Vu, canção intitulada pela expressão francesa que remete para algo já vivido ou presenciado e que consiste numa balada onde Roger Waters troca o baixo pela guitarra acústica, colocando-se numa posição hipotética de que se tivesse sido Deus as coisas seriam bem diferentes, o que é visível com a frase “If I had been God” no início das primeiras estrofes da canção. Segue-se uma outra canção igualmente pausada, com um acompanhamento suave de piano, e mais uma vez como uma letra que remete para os acontecimentos recentes, nomeadamente com a situação dos refugiados que são obrigados a sair do seu próprio país procurando abrigo noutros, embarcando em aventuras de grande risco. The Last Refrugee, retrata a vida em geral dos refugiados que nunca chegaram ao seu destino devido às piores circunstâncias possíveis com que se deperam no caminho, uns ficando para trás e outros vendo as suas famílias a serem divididas, perdendo o rasto dos seus entes-queridos.
Já a quarta faixa, Picture That, apresenta uma letra mais agressiva, altamente crítica, bem como um tom de voz do próprio Roger Waters e dos instrumentos algo mais revolto, sendo uma canção que faz referências evidentes a Donald Trump. Frases como “Picture a Leader with No Fucking Brains” e “There’s no such thing as being to greedy” são fortes críticas àquela que tem sido a figura mais controversa dos últimos tempos, cujas políticas geram e continuarão a gerar polémicas sem fim. Segue-se Broken Bones, mais uma balada semelhante às primeiras do álbum, acompanhada por um coro de violoncelos onde ocorre uma explosão musical quando surgem os versos “Safe and Sound”. Finalmente surge a canção que dá título ao álbum, Is This the Life We Really Want?, sexta faixa do álbum que exibe muito do espírito de Roger Waters quanto aos problemas do mundo actual que começa com a voz de Donald Trump. A letra faz referência a questões como o medo, a censura e as adversidades políticas actuais, até porque numa parte da canção ouvem-se vários gritos de pessoas, o que remete para manifestações, posíveis confrontos ou mesmo um clima de guerra. A letra faz ainda referência à Russia de Vladimir Putin com “Every time a Russian bride is advertised for sale” e novamente a Donald Trump recorrendo à expressão britânica nincompoop que significa tolo, pateta, para o carecterizar, “And every time a nincompoop becomes the president”. A canção termina com um som semelhante a um despertador que dá início imediato a Bird in a Gale, canção que exibe o bem o baixo de Roger Waters, como as guitarras que o acompanham e que tendem para sons mais constrangedores terminando com uma explosão. Mais uma vez uma canção que fala dos refugiados fazendo referência ao menino sírio que foi encontrado morto na costa Mediterrânea em Setembro de 2015 após uma tragédia na travessia pelo Mediterrâneo, uma das imagens mais chocantes que a humanidade presenciou. A faixa seguinte, The Most Beatutiful Girl in The World, conta a história de uma pequena rapariga que finalmente está a caminho de casa depois de uma longa viagem, provavelmente também ela uma refugiada.
A conjuntura de todos estes acontecimentos faz do mundo tudo menos um mar de rosas, mas a esperança e até mesmo o espírito musical dos Pink Floyd podem ser encontrados nas rosas que tendem a surgir a cada Primavera. Smell The Roses, é a faixa mais melodiosa do álbum e transmite uma réstia esperança que pode ser visível no refrão “Wake up / Wake up and smell the roses /Close your eyes and pray this wind don’t change”. Os acordes do baixo de Roger Waters remetem para ilustres canções como Have a Cigar, Echoes ou Breathe, canções estas que imortalizaram os Pink Floyd. Smell The Roses trata-se de uma melodia vivaça onde a guitarra, a bateria e os coros vocais combinam de uma maneira rítmica bastante agradável. Não deixa de ser interessante também o facto da canção terminar com uma frase dos versos de Light My Fire dos The Doors, “Girl, you couldn’t get much higher”, o que poderá ser apenas uma mera coincidência. Segue-se ainda Wait For Her, única canção do álbum cuja letra não foi escrita por Roger Waters mas com base na tradução de um poema de Mahmoud Darwish, poeta palestiniano já desaparecido que inspirara o músico britânico a compor esta canção. O álbum encerra com Oceans a Part, penúltima faixa e mais curta do álbum que dá o nome à última, Part of me Died, que retrata um encontro com alguém que faz com que as piores coisas nessa pessoa despareçam e desse modo morram, terminando assim o álbum que é composto por doze faixas todas elas com conteúdos apelativos em termos líricos e musicais.
Tendo em conta todas as letras e as canções que compõem Is This The Life We Really Want? pode-se concluir que este não é um álbum rock ou musical no seu todo, embora com combinações orquestrais bastante interessantes, mas sim um trabalho lírico de Roger Waters como o próprio tem vindo a fazer desde que se encontra numa carreira a solo. Sempre com uma posição muito crítica e fiel aos seus ideais, este é mais “um álbum à Roger”, um álbum que trata assuntos políticos e sociais nas letras de cada canção, através da crítica, da sátira e até mesmo da poesia. É de realçar que este é um trabalho que mostra o regresso enérgico de um gigante que liderou uma das mais aclamadas bandas de todos os tempos durante o período do seu auge. Roger Waters mostra com uma vontade enorme de continuar os seus concertos, ponderando fazer um tour europeia em 2018 e até mesmo lançar outro álbum para breve pois segundo o próprio tem imenso material e não pretende ficar por aqui.
Num mundo onde os refugiados sofrem as maiores atrocidades para saírem dos seus países que se encontram em guerra, onde um “nincompoop” chega ao poder do país mais poderoso do mundo, onde os interesses prevalecem sob a condição humana, onde os muros físicos e não-físicos tendem a erguer-se dividindo países e populações, é caso para deixar no ar a pergunta que intitula o álbum e que nos deixa a todos sem excepção a pensar: Is This The Life We Really Want?