‘It Comes At Night’: um drama familiar de horror e mistério bem consciente da sua identidade

por David Bernardino,    7 Janeiro, 2018
‘It Comes At Night’: um drama familiar de horror e mistério bem consciente da sua identidade
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Trey Edward Shults, realizador e argumentista de 29 anos, traz na sua longa-metragem um filme elogiado pela crítica, mas menos apreciado pelo público: um drama familiar de horror e mistério bem consciente da sua identidade. O cinema de terror, enquanto género maior que se divide numa teia de subgéneros formulaicos, pareceria em 2017 algo de já esgotado, com uma fórmula repetida exaustivamente, levando os mais cépticos a pensar que dificilmente algo mais poderá ser feito dentro das suas várias variantes. A verdade é que o cinema de terror, enquanto género de características únicas (herméticas, que raramente cruzam os outros salvo, com alguma regularidade, a comédia), terá sempre o seu espaço no coração dos seus fãs. O que fará a diferença é a interpretação dessas regras fílmicas, a sua transposição para o ecrã e, derradeiramente, a sua transposição para o espírito do espectador.

It Comes At Night domina de forma perfeita os corolários do género, e é jogando com eles e interpretando-os de forma minimalista que consegue entregar um filme de mistério/terror brilhante em fórmula, saboroso em conteúdo, mas limitado pela orgulhosa diferença que pauta as suas próprias regras. Trey Edward Shults constrói um fechado ponto de observação inserido num mundo pós-apocalíptico, onde aparentemente um vírus dizimou a população. Joel Edgerton interpreta o patriarca de um pequeno seio familiar, composto pela sua esposa e filho, que logrou viver de forma sustentável num meio rural isolado. A trama é posta em movimento com o aparecimento de um estranho na sua casa. It Comes At Night escolhe conscientemente a via minimalista do horror slow burn, com a objectividade e contenção moral de Edgerton a nortear a posição racional no argumento, eliminando aquilo que normalmente se associa às más decisões das personagens do género, atribuindo-lhe um inegável realismo. Por outro lado, mãe e filho personificam a compaixão, especificando este último a curiosidade característica da adolescência, exponenciada por uma vida de regras e isolamento. Todas as peças do puzzle argumentativo, ao qual outras se virão a juntar, estão montadas de forma imaculada, conseguindo de forma sublime manter a intriga e o mistério perante a falta de informação e impotência que pauta todo o filme.

O melhor terror é provavelmente aquele que fica por revelar, uma vez que a atmosfera de mistério e horror esvazia-se ao materializar a confrontação. O filme de Shults consegue até ao último momento segurar esta atmosfera. No entanto, quando parece que talvez seja o momento certo para revelar a “caixa de pandora”, It Comes At Night decide prolongar o seu minimalismo, a sua escuridão argumentativa, deixando ao espectador pouco mais além de um drama familiar aí inserido. A originalidade da fórmula é meritória, mas Shults, ao conscientemente deixar algo por fazer, privou o espectador da sua habitual recompensa, deixando um sentimento de vazio. It Comes At Night é como observar uma fórmula matemática reduzida e aperfeiçoada cujas incógnitas cabe ao espectador preencher. A diversão disso será sempre subjectiva.

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