‘It’, um palhaço que nos assusta com o volume no máximo

por David Bernardino,    15 Setembro, 2017
‘It’, um palhaço que nos assusta com o volume no máximo
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Filme escolhido para a sessão de encerramento do Motelx 2017, It, realizado por Andy Muschietti, é um dos filmes mais falados e aguardados do ano, fruto de um marketing desenfreado que apostou na nostalgia daquele infame tv movie de duas partes de 1990, o original do qual este é remake, que ficou na cabeça de muitas crianças na altura. Já é o filme de terror, de classificação R (17 anos) e com estreia em Setembro, com a melhor estreia de sempre nos EUA. Mas será que bem espremido e observado à distância It é mesmo a obra-prima que os seus números apregoam? Na opinião daquele que vos escreve não, o que não quer dizer que não cumpra aquilo que alguns esperavam dele: assustar.

Enquanto filme de terror It parece sentir uma certa urgência em fazer as coisas, em ser um filme forte e insuflado como o seu palhaço banhado a CGI, como se não houvesse tempo a perder, como se tudo tivesse que ser over the top, “enorme”, para o distinguir da da multidão (realmente, hoje em dia, para encontrar um filme de terror basta procurar debaixo de uma pedra). É quase uma falácia, e para o comprovar estão filmes como The Witch, Babadook ou mesmo The Autopsy of Jane Doe.

O filme de terror quer-se denso, atmosférico, construtivo, com uma trama, ou um “terror”, que nos preenche o subconsciente e cria desconforto e antecipação por algo desconhecido que está para vir. It enquanto filme é ofegante por mais e mais e descarta completamente esta construção para apostar numa colectânea de sustos sempre pré-anunciados pelo seu setting e, principalmente, pelo som que, sempre no volume máximo, nos assusta bem mais que a imagem.

Falando de imagem, ainda que seja o palhaço o centro do filme, existem outras criaturas, e não só, que vão floreando It. Essas criaturas, os medos dos nossos pequenos protagonistas materializados, são na realidade, em conceito e imaginação, bem mais aterradoras que o palhaço Pennywise, que num terceiro acto do filme, perdido o mistério e abandonado o som para criar jump scares fáceis, não mete medo a uma criança, como aliás se observa no ecrã.

Em determinados momentos It traz nostalgia dos anos 90 ao espectador, algo que tem curiosamente sido tendência nos anos recentes com obras como a série Stranger Things, Super 8 ou o recente Super Dark Times. Essa contextualização é bem-vinda, mas se por momentos It nos lembra filmes como Goonies ou E.T., com os seus protagonistas outsiders, rapidamente faz questão de destruir tudo isso com uma afirmação, mais uma vez urgentíssima, de que isto é um filme de terror “a sério” que não está para brincadeiras. Acto contínuo, a inocência que vai pontuando o ecrã e que nos dá tanto gozo observar é substituída por níveis de violência completamente descontextualizados, numa aura dark de mau génio que vai desde membros decepados explicitamente a sugestões de pedofilia, passando por pequenas mutilações, tudo isto com crianças. It não pede em momento algum este negrume deslocado da sua realidade que parece só estar lá para o choque fácil. A ausência de desenvolvimento de personagens além das peças principais do numeroso grupo de protagonistas torna os outros apenas paisagem, com pequenas sub-histórias que vão sendo apresentadas ao espectador e, no intervalo delas, lá surge o palhaço, repetitivamente, anunciadamente, forçando uma visão limitada das crianças aos estereótipos que parece passar as suas longas duas horas e 15 minutos a tentar evitar.

Apesar de tudo isto, há que aplaudir It por todas as outras coisas que faz bem, e que são provavelmente aquilo que o seu público alvo queria que fizesse. It é o filme de terror perfeito dentro do seu género de jump scare para ver com amigos em casa ou numa sala de cinema à meia noite. É aquele filme sem grandes escrúpulos com a lição muito bem estudada sobre como fazer a malta saltar da cadeira de forma divertida. Estranhamente o seu negrume parece que queria apelar mais aos fãs de série B do que ao circuito comercial.

Crítica também publicada em The Fading Cam

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