Já se conhecem os finalistas do International Booker Prize 2020
Na lista das seis obras finalistas, quatro delas foram escritas por mulheres.
Esta quinta-feira (2) foram anunciados os nomeados para o International Booker Prize de 2020. Desta vez de forma digital, foi desvendada a lista dos seis livros que concorrem agora ao mais importante prémio para uma obra traduzida e publicada no Reino Unido ou Irlanda. A shortlist deste ano contém obras escritas em cinco línguas e um leque de autores de seis países diferentes.
Três das obras escolhidas inspiram-se nos passados históricos nacionais dos seus países, e as outras três têm em comum o tópico do trauma – nas suas diferentes formas -, e como este influencia a forma como se vive e experiencia o mundo. Em comum, as seis obras parecem todas expressar a necessidade humana de compreender o mundo através da narrativa, seja a partir da partilha de histórias pessoais, do compreender do passado comum presente na história e nas estórias que o compõem, ou a partir do processar do trauma e do luto.
O “pináculo de uma forma de arte que tem por base o diálogo”
Ted Hodgkinson, diretor de Literature and Spoken Word do Southbank Centre e chefe do painel de cinco jurados do International Booker Prize 2020, disse: “Cada um dos livros nomeadas reinventa, incansavelmente, narrativas recebidas, de mitos fundacionais ao folclore familiar, mergulhando-nos em desconfortáveis e exaltantes encontros com o “eu” em estado de transição. Seja a captar uma distopia habilmente imaginada ou fluxos incandescentes de linguagem, estas traduções são feitos tremendos que, nestes tempos de isolamento, representam o pináculo de uma forma de arte que tem por base o diálogo. A lista de nomeados transcende este momento sem precedentes, imergindo-nos nas vidas expansivamente imaginadas que nos provocam uma fascinação duradoura”.
Os outros quatro membros do júri são Lucie Campos, Valeria Luiselli, Jeet Thayil e Jennifer Croft, co-vencedora do prémio em 2018 por Flights, a tradução britânica da obra de Olga Tokarczuk, vencedora do prémio Nobel da Literatura em 2019.
Os livros que compõem a shortlist são:
- The Enlightenment of the Greengage Tree de Shokoofeh Azar (Irão). Traduzido do farsi por um anónimo, e publicado pela Europa Editions.
Esta obra é narrada pelo fantasma de Bahar, uma menina de 13 anos, e conta a história da sua família que, na década que se seguiu à Revolução Islâmica de 1979 no Irão, deixa a sua casa no Teerão na busca por liberdade intelectual. A autora, refugiada na Austrália desde 2011, usa uma escrita recheada de realismo mágico para confrontar a crueldade de um regime político opressivo em profundo contraste com a vibrante e antiga cultura persa. A obra está disponível em Portugal na edição inglesa.
- The Adventures of China Iron de Gabriela Cabezón Cámara (Argentina). Traduzido do espanhol por Iona Macintyre e Fiona Mackintosh, e publicado pela Charco Press.
Subvertendo uma das obras fundadoras argentinas, Martin Fierro, a autora reapropria a cultura gaúcha nesta obra passada em 1872. China Iron é uma jovem mulher que, após ver o seu marido recrutado para o exército, foge em direção à liberdade numa viagem pelas pampas argentinas. Uma história que celebra a liberdade e a riqueza natural e cultural da Argentina, ao mesmo tempo que critica os mitos de criação de uma identidade nacional e o progresso desenfreado. A autora ainda não tem nenhuma obra traduzida em Portugal.
- Tyll de Daniel Kehlmann (Alemanha). Ttraduzido do alemão por Ross Benjamin, e publicado pela Quercus.
Este romance brinca com a lenda medieval alemã no cenário da Guerra dos Trinta Anos, que devastou os territórios hoje conhecidos como Alemanha no século XVII. Tyll é “o próprio espírito da revolta – a rolha na água, o riso no escuro, um herói para todos os tempos”, de “graça demoníaca e com fome de liberdade”. O autor já tem dois outros livros publicados em Portugal: Fama – romance em quatro histórias e Devias Ter-te Ido Embora.
- Hurricane Season de Fernanda Melchor (México). Traduzido do espanhol por Sophie Hughes, e publicado pela Fitzcarraldo Editions.
Um romance que abre com a descoberta do corpo da bruxa local encontrado na hidrovia de uma vila rural mexicana. Comparado com a Crónica de Uma Morte Anunciada, de Gabriel García Marquez, este romance volta atrás no tempo e segue a perspetiva de vários narradores, rapidamente desvendando quem foram os assassinos e focando-se na razão do assassinato, despindo a casaca de policial e pondo a descoberto uma sociedade machista, preconceituosa, e brutalmente violenta e cruel. A autora ainda não tem obras traduzidas para português.
- The Memory Police de Yoko Ogawa (Japão). Traduzido por Stephen Snyder, e publicado pela Harvill Secker.
O mais recente livro de uma das mais reconhecidas vozes literárias nipónicas, este livro trata o poder da memória, do trauma e da perda. Nesta provocadora e perturbadora história, tudo aquilo que deixa de existir ou é entregue à polícia da memória é apagado da memória coletiva e para sempre esquecido pelo povo da ilha. Mas, quando uma jovem autora descobre que o seu editor está em perigo, ela procura salvá-lo. Ele, sem razão aparente, não se esquece, e está a ficar cada vez mais difícil esconder as memórias da polícia, que o pode levar para ser para sempre esquecido. O livro está disponível para compra em Portugal na sua edição inglesa.
- The Discomfort of Evening de Marieke Lucas Rijneveld (Países Baixos). Traduzido do holandês por Michele Hutchinson, e publicado pela Faber & Faber.
Este romance, sucesso de vendas nos Países Baixos, conta a história de uma família devota que vive da sua quinta no interior do país e que colapsa quando um dos seus filhos morre. Jas faz um pedido perverso a Deus após o irmão a deixar sozinha e ir patinar no gelo, e ele nunca mais regressa. Atormentada, Jas cai numa espiral de fantasias cada vez mais perturbadoras. Uma estreia na prosa de uma das vozes contemporâneas mais reconhecidas da poesia neerlandesa, disponível em Portugal em inglês.
O prémio
O International Booker Prize é um prémio anual atribuído à melhor obra, escrita em qualquer parte do mundo, traduzida para inglês e publicada no último ano no Reino Unido ou Irlanda. Tanto o autor como o tradutor da obra são reconhecidos, dividindo o prémio de 50 mil libras igualmente. Cada um dos nomeados da shortlist recebe um prémio de mil libras – tanto autor como tradutor. Este ano foram considerados 124 livros, e no ano passado o vencedor foi Celestial Bodies, de Jokha Alharthi, o primeiro livro vencedor de Omã, escrito originalmente em árabe e traduzido por Marylin Booth.
Este artigo foi escrito por Mariana Nunes e foi originalmente publicado em Espalha Factos.