James: a força da natureza que deu vida à noite do Porto

por Sofia Matos Silva,    11 Abril, 2019
James: a força da natureza que deu vida à noite do Porto
Fotografia de Joana Nogueira / JUP
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Ao subir a Rua de Passos Manuel, já se conseguia ver a multidão de pessoas à porta do Coliseu. A fila para entrar era comprida e o ambiente eletrizante. Com aquela chuva, era preciso ter cuidado para não gerar um curto circuito. Em frente ao palco ouviam-se conversas, histórias sobre as atuações anteriores da banda e músicas cantaroladas para a frente e para trás. Sentia-se a expetativa na sala esgotada: os James são já um grupo quase residente por terras lusitanas. Vêm cá mais do que qualquer outra banda britânica, chegando a atuar mais do que uma vez por ano. Desde que regressaram ao ativo em 2007, só falharam em dois anos – 2013 e 2017 – e são sempre recebidos com entusiasmo por um público que os acarinha e que já conseguiu o seu carinho também. Com 15 trabalhos de estúdio, há músicas para todos os ouvidos.

Para surpresa de muitos na sala, a primeira parte do concerto é acústica. À hora marcada, o grupo surge na parte da frente, separados do resto do palco escondido por trás de uma cortina preta. A primeira música que se ouve é a segunda de Living in Extraordinary Times, o disco que está a ser promovido nesta tour: “Coming Home – Pt. 2” é seguida por “Hello”, um dos clássicos da banda. Levado à letra, este duo inicial é como uma carta de amor dedicada ao público português – como quem diz, ‘olá a todos, estamos de regresso a casa, já tínhamos saudades’. “I wanna hold your hand in the dark” foi entoado pela audiência com felicidade; “hello, it’s over” deixa o público mais calmo e reflexivo, assim como o “see you later” de “Broken By The Hurt”. Neste set acústico, ouve-se violino, violoncelo, teclado, baixo, bateria com vassouras e guitarra acústica. A certa altura, entra o trompete, tão caraterístico da banda.

Antes de passar para a quarta música da noite, Tim Booth tem um pedido a fazer. “I know it’s hard not to talk at a concert when you’re standing up like this. But I ask you, for this song, if you could all be quiet, to let people who want to listen to really listen. You can talk after the gig. This is a song about my friend, who died, and I never got to say goodbye to her. She had cancer and she kept it, she didn’t want anyone to know and to pity her. And we don’t usually play this song, because usually I’m not able to sing it. And I’ll sing it for you, if you can all be quiet. But if not, we’ll have to stop, because we don’t play very often. So, this is called ‘All I’m Saying’. Thank you”. Booth consegue o impensável: o silêncio total do Coliseu.

Fotografia de Joana Nogueira / JUP

O público ouve a música com o coração apertado e a lágrima no canto do olho. Este início emotivo de concerto é acompanhado por um trabalho arrepiante de violoncelo. Mas, antes que chova cá dentro como chove lá fora, a banda segue para “Sit Down”, a música que se tornou num dos hinos de James. “Oh sit down, sit down next to me” ecoa pelo espaço a uma só voz. “Pressure’s On” e “Just Like Fred Astaire” finalizam esta primeira parte. São músicas que permitem ao público acompanhar a letra do início ao fim – tal como irá acontecer até ao fim da noite. Antes de saírem do palco, Booth dirige-se ao público e, brincalhão, diz “we’d like to thank James for giving us this opportunity. I hope you like their concert”.

Segue-se um pequeno intervalo – para os técnicos poderem organizar os instrumentos no palco e para os mais sequiosos poderem abastecer-se de bebidas. Às 22h40 inicia-se o concerto principal. Sob uma enorme salva de palmas e ovações, entram em palco oito pessoas. Não apenas os sete habituais – Tim Booth, Jim Glennie, Adrian Oxaal, David Baynton-Power, Saul Davies, Mark Hunter e Andy Diagram -, mas também Chloë Alper, a baterista e cantora que tem andado em tour com a banda. “Heads” e “What’s It All About” são as músicas do novo trabalho que abrem o set principal. Nesta segunda música, Tim Booth pega num megafone e berra as palavras, numa espécie de catarse de toda a raiva e dor que sente.

“This is a song for everyone who’s lost someone recently”. “Moving On” segue a linha de músicas em que as peças do puzzle que as constituem são sentimentos e não notas musicais. Apesar disto, é uma canção bastante mexida, fazendo a ponte para a que se segue. Uma pequena viagem no tempo leva a sala a 1992, com “Ring The Bells”, e os fãs são levados ao rubro com esta faixa de Seven. Um ano para a frente nesta viagem pelo tempo e somos levados para Laid. “Five-O” tem um instrumental fabuloso: a fugir mais para genres como o folk ou o country, é cantada a quatro vozes e arrepia até os mais resistentes.

Tocado o último riff, o guitarrista dirige-se para um microfone. “Boa noite. Tudo bem? Há muitos coisas a dizer, não é? Entre nós, não só aqui em Porto, mas em Portugal. A vida desta banda diz com a vida do nosso público, não é? Sem vocês, esta banda não é nada. Muito obrigado, mais uma vez”. Tim Booth, percorrido por uma mistura de alegria e revolta, brinca com o Coliseu: “I will translate it to English for you. No, no, I’ll translate it. We don’t want fucking Brexit. Brief translation: we are fucking idiots and we are going to shoot ourselves in the foot”. “Ele tem razão”. Isto serve de mote para a entrada de “Extraordinary Times”, a sétima faixa do mais recente disco. A dor da traição do próprio país é bem visível na cara dos membros da banda. Booth canta de mão dada a um elemento do público. “Fuck you / I wanna fuck you / Until we break through / Into other dimensions / Where we’re all one / Before the Big Bang / Blew / We can hold it all, hold it all together / In this never-ending game of hide and seek.”

Fotografia de Joana Nogueira / JUP

“Born of Frustration” é outro dos hinos de James. Para esta música, o vocalista dirige-se ao lado esquerdo do palco e canta cara a cara com a audiência. A audiência, esta canta a plenos pulmões, em plena união com os músicos. Já não há diferenças ou barreiras. Existe apenas a música. Tim dança como sempre dançou, move o corpo com uma energia só sua, como que possuído por um demónio das artes e da sensualidade. É a verdadeira força da Natureza; o espetáculo é seu. “We’re gonna play you a song from the album that didn’t make the album. This is one that should’ve made the record, but we never quite got together. ‘Cause it was gonna be a double album, and we ran out of money. So, this one’s called ‘Moving Car’. Don’t worry, it’s really beautiful”. O público não se preocupa e a música revela ser, de facto, bem bonita.

Para tocar “Attention”, Chloë Alper sai de trás da bateria e vem para a frente do palco, onde canta em jeito de dueto com Tim. O trabalho de iluminação permite criar um ambiente sonhador, uma áurea roxa e azul. A certo ponto da música, os músicos param subitamente no palco, congelados como estátuas. Apenas o som do sintetizador se continua a ouvir. Passados uns segundos, Tim berra uma frase e os músicos regressam consigo. Sendo uma música com uma evolução curiosa, começa calmamente e acaba com a plateia transformada numa enorme pista de dança. “Stars will fall” é repetido pelos intérpretes, que continuam a dançar os dois, como que perdidos num mundo só seu. De seguida, os primeiros acordes tocados na guitarra acústica denunciam de imediato a música que se segue, para grande alegria dos fãs da banda. “Laid” traz de volta o trompete ao grupo de Manchester.

De regresso ao álbum que está a ser promovido, o vocalista provoca o Coliseu. “This is the sexiest song on the album, for the sexiest audience we’ve had. And you’re all Catholics”. Esta frase despoleta uma onda de risos. “It’s like that saying, you know, ‘sex is wasted on the young’. Sex is wasted on the Catholics. Where’s the fun in that?” Surge, assim, “Picture of This Place”. De seguia, soa “Getting Away With It (All Messed Up)”, uma música de outra dimensão. A união com o público é total e as memórias estão a ser criadas à velocidade da luz. A canção é entoada em uníssono do início ao fim. “Leviathan” é apresentada como uma música sobre “wanting too much”. É verdade, o público exige muito, mas não, nunca é demasiado. A três vozes, mais o coro de ‘uuuhhhh’s’ que se ouve pela sala, inclui mais uma pausa teatral e palmas a acompanhar o ritmo. De megafone na mão, Tim segue para “Sound”. A composição é uma excelente escolha para este (falso) final estrondoso. É difícil passar para palavras o ambiente sentido na sala neste momento. A certa altura, o trompetista surge na tribuna superior e caminha por toda a sua extensão, sem nunca deixar de tocar. Tim canta de maraca na mão e sorri, para um público que canta consigo e liga as luzes dos telemóveis.

“Obrigado”. Os James abandonam o palco sem grandes demoras. Neste momento, apesar de já passar da meia noite, o Coliseu vai abaixo. Ou iria, se a construção não fosse resistente. O público bate com os pés ritmadamente, enquanto canta “oh oh oh oh oh” e berra “James, James”. Cá fora, há quem se apresse para as casas de banho: “corre, que eu não posso perder isto”. Lá dentro, o púbico não se cansa e continua a bater com os pés todos os minutos necessários para o regresso ao palco do grupo. “Come Home” é uma das canções mais antigas tocadas esta noite, e inicia este encore, mas é “Many Faces” que de facto proporciona o momento da noite. Três minutos pela música dentro e Tim lança-se para a multidão. A sintonia com o público é tão perfeita que lhe permite fazer um crowdsurfing em semicírculo, regressando ao palco por entre “there’s only one human race”s e “many faces, everybody belongs here”s. Para grande surpresa do grupo, a sala continua a cantar um bom minuto para lá do fim da música. A letra é repetida por entre palmas e sorrisos, transportando todos os presentes para lá das nuvens. Os músicos ficam tão comovidos com a iniciativa que regressam aos respetivos instrumentos e a “Many Faces”.

Após uma primeira tentativa de vénias, Tim pergunta “What do you want more?” antes de se desfazer em agradecimentos: “I hope this has been as much a magical evening for you as it has been for us. Thank you very much”. “A próxima vez que nós vamos ter oportunidade de tocar aqui para o público português é em setembro, no Parque da Pasteleira”. “I will translate for you in English. We would like everybody to take their clothes off and leave now. What was the other bit?” “For some of us that’s a good idea, for some that’s a bad idea. I’ll take my clothes off, you wanna take yours?” Este diálogo bilingue e brincalhão entre vocalista e guitarrista desperta gargalhadas pela sala, já de si bem-disposta. E, para terminar a noite em grande, o grupo decide tocar uma música para lá da setlist. “Tomorrow” foi o tema escolhido para concluir o espectáculo, tirado de Wah Wah, e proporcionou aos fãs um momento verdadeiramente mágico para terminar uma noite cheia de emoções. Nas derradeiras oito vénias da noite, o público canta em uníssono e em improviso (uma daquelas situações que acontecem uma vez na vida): “sometimes, when I look deep in your eyes, I swear I can see your soul”. A letra pertence a “Sometimes (Lester Piggott)”, e faz os músicos pararem na sua saída do palco e olharem estáticos para a sala, maravilhados. Quer se aprecie as músicas dos James ou não (como não?), é inegável que o grupo consegue transformar qualquer noite na mais mágica de sempre.

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