Japandroids – ‘Near To The Wild Heart of Life’

por Tiago Mendes,    27 Janeiro, 2017
Japandroids – ‘Near To The Wild Heart of Life’
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Tendo já deixado a sua assinatura no rock do início desta década, os Japandroids não teriam que provar o que quer que fosse. Post-Nothing (2009) e Celebration Rock (2012) são exercícios bem-sucedidos de noise rock e garage punk, consagrados e reconhecidos pela crítica e pelo público. Após o lançamento do segundo álbum, seguiu-se uma digressão de ano e meio, com mais de 200 concertos em 40 países diferentes (e duas passagens por Portugal: no EDP Paredes de Coura em 2012, e no Optimus Alive do verão seguinte). Depois, o silêncio.

É deste espaço em branco que brota Near To The Wild Heart of Life. O power duo canadiano, constituído por Brian King (guitarra, voz principal) e David Prowse (bateria, voz de apoio), decide tirar um tempo para viver. E para ler: não tivesse nascido o título da leitura de ‘Near To The Wild Heart’ de Clarice Lispector, por sua vez inspirado numa frase de James Joyce no seu ‘A Portrait of the Artist as a Young Man’: «He was alone. He was unheeded, happy, and near to the wild heart of life». Drenando estas influências literárias e cruzando-as com a experiência intensa e desenfreada da vida a que se sentem chamados, os Japandroids escrevem e gravam o novo álbum entre Nova Orleães, a Cidade do México, Vancouver, Toronto e Montreal.

Tudo começa com a faixa título, em que experienciamos o nitrido de um cavalo que decide abandonar a sua manada. São minutos de propulsão que expressam a catarse da banda. Trata-se de um início auspicioso, liderado pela voz de Brian King, que nos conduzirá de forma emocionada ao longo das músicas (mesmo que a prestação mais emocionada acabe por ser aquela que de certa maneira filtra e camufla a voz principal, em ‘I’m Sorry For Not Finding You Sooner’). Near To The Wild Heart Of Life apresenta-se com uma narrativa vincada e relativamente linear: a primeira metade aborda, tematicamente, o desejo da ruptura e a possibilidade da aventura; em contraste com uma segunda metade mais desiludida, conformada e introspectiva. O álbum conta-nos uma história de boémia: num primeiro momento, triunfal; posteriormente, desorientada. A necessidade de partir (faixa-título) e o desejo de voltar (Midnight to Morning). Temática e liricamente, é um exercício maduro, que reflecte o passar dos anos e o peso que isso acarreta: «age is a traitor and, bit by bit / less lust for life», ouvimos na última música. Uma crise de meia-idade, antes dos 40; mas quem não a experimenta, volta e meia? Neste sentido, é um álbum estruturalmente simples, e muito auto-explicativo.

Em termos sonoros, o novo trabalho dos Japandroids pode ser descrito como um conjunto de hinos power pop, enérgico e frontal, e diverso na abordagem de cada canção. Para quem nunca ouviu a banda: não são tanto uma espécie de The Black Keys sem travões, ou uns Royal Blood menos pesados; estão mais próximos da veia punk de Jeff Rosentstock, apostando na ambiência, nas texturas e nas camadas, ao invés de nos riffs individuais da guitarra. Criativamente, o grande trunfo de Near To The Wild Heart of Life está na relação emaranhada entre a guitarra e a bateria: determinados momentos do álbum atingem a beleza que procuramos, e que rapidamente percebemos que não nos chegam. Oiça-se por exemplo o crescendo do último refrão de ‘True Love and a Free Life of Free Will’, ou a bridge instrumental de ‘Midnight to Morning’ (talvez os meus momentos preferidos de todo o álbum). Esta relação profícua e dinâmica acaba por compensar alguma simplicidade excessiva na composição de algumas das faixas. Só é pena ficarmos a esgravatar por mais instantes de génio criativo e comunhão instrumental.

Os Japandroids defendem que Celebration Rock foi o culminar da procura de um som; e que este álbum constitui o início da procura de uma nova forma de se exprimirem. Parece haver um esforço pela diversidade de som, mais do que nos anteriores trabalhos: cada música quer ter uma identidade própria. Vale a pena ouvir Near To The Wild Heart of Life; entra no ouvido e é de fácil audição. Os coros, também marca do duo, querem-nos pôr também nós a cantar: mesmo que por meio de «ohoh’s», «yeah’s» e «shanananana’s», envolvem-nos e implicam-nos. Destaque para ‘No Known Drink No Known Drug’, para além das canções acima referidas. Talvez o verão vá fazer bem a este álbum, talvez o amadureça – e poderemos comprová-lo já em Junho, no NOS Primavera Sound. Os Japandroids voltaram a passar com distinção a prova pela qual não precisavam de passar, reinventando a fórmula sem a repudiar. Divertido, motivador, intenso, e lo-fi qb. Um hino aos altos e baixos da vida e dos sonhos, e ao lado selvagem do coração.

Swap the city’s lights for the southern cross
Gather the gang and make that night
An ultimatum to the universe
– ‘In a Body Like a Grave’

Texto de Tiago Mendes

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