Jeff Wall no MAAT: o tempo em suspenso

Jeff Wall chegou finalmente a Lisboa. E não chegou de mansinho: a sua primeira exposição individual em Portugal, Time Stands Still. Fotografias, 1980–2023, ocupa a totalidade da MAAT Gallery, com 63 obras que atravessam mais de quatro décadas de produção. É uma das mais vastas exposições já dedicadas ao artista canadiano, nome maior da fotografia contemporânea, e um dos poucos capazes de transformar o quotidiano num épico silencioso, de fazer da encenação uma forma de verdade e da fotografia uma arte maior, entre o cinema, a pintura e a literatura.
O MAAT, com a sua Galeria Oval e as galerias laterais, parece ter sido desenhado para receber o universo visual de Wall. O artista confessou-se seduzido pela espiral do edifício, pelo contraste entre a curvatura do espaço e a geometria rigorosa das suas imagens. A exposição, com a curadoria de Sérgio Mah, demorou mais de dois anos a ser planeada e envolveu desafios técnicos – literalmente – de peso, já que algumas peças chegam a pesar meia tonelada. Mas o resultado é uma coreografia de luz, escala e silêncio, onde cada fotografia reclama para si o estatuto de pintura de história, mas do nosso tempo.

O percurso de Jeff Wall é, desde o início, uma recusa da ortodoxia. Nascido em Vancouver em 1946, Wall começou a trabalhar com fotografia nos anos 70 e, no final dessa década, começou a produzir fotografias em grande formato, apresentadas como transparências coloridas retroiluminadas em caixas de luz, um suporte até então mais associado à publicidade do que à arte e que lhe permitiu criar imagens de uma intensidade visual inédita, que se impõem no espaço como verdadeiras pinturas contemporâneas.
Durante trinta anos, as caixas de luz foram a sua assinatura. À imprensa, Wall confessou que “nunca quis que o trabalho se restringisse daquela maneira e também não queria ser conhecido como o homem que faz caixas de luz” e, na sequência dessa inquietude, começou, a partir da década de 1990, a expandir o seu repertório técnico, trabalhando com impressões tradicionais a preto e branco e, mais recentemente, com impressões a jacto de tinta.
Wall descreve o seu método como “cinematografia”. Não no sentido de filmar, mas de construir a imagem como um realizador constrói uma cena: tudo é pensado, planeado, ensaiado, executado. Os seus modelos são actores, os cenários são montados ou encontrados, as situações são muitas vezes reconstruções de episódios presenciados, lidos ou imaginados, sem nunca abdicar do seu compromisso com o real.
O quotidiano é o grande tema de Wall, mas nunca é tratado como mero documento. Cada imagem é uma ficção, uma hipótese, uma pergunta sobre o que é real e o que é representado. A solidão de um homem num parque, a violência latente de um encontro de rua, a alienação de um trabalhador, a pobreza de uma família — tudo é encenado, mas tudo poderia ter acontecido, ou estar a acontecer agora, ali ao lado. Wall não fotografa o instante decisivo, mas o instante suspenso, o tempo em que tudo parece possível e nada é definitivo.
As suas fotografias são grandes, imersivas, exigem tempo e atenção. Não são imagens para o consumo rápido. São, como diz o título da exposição, momentos em que o tempo fica suspenso, em que a realidade se revela como construção, como palco, como enigma. O espectador é convidado a entrar, a habitar o espaço da imagem, a interrogar-se sobre o que vê e sobre o que não vê.
A exposição Jeff Wall. Time Stands Still. Fotografias, 1980–2023 estará patente no MAAT até 1 de setembro de 2025. Sem seguir uma ordem cronológica ou temática, as 63 obras de Wall desafiam o público a construir as suas próprias narrativas, a encontrar lógicas íntimas entre imagens que, sendo autónomas, dialogam num contínuo de referências cruzadas. São cenas do quotidiano, tensões sociais, solidão, pobreza, violência urbana, abandono, exclusão, mas também momentos de suspensão, de beleza inesperada, de poesia visual, onde o factual e o ficcional coexistem.
No final, o que fica é a sensação de ter entrado num universo onde a realidade é sempre mais complexa do que parece, onde cada imagem é uma porta para outra história, outra possibilidade, outra vida. Jeff Wall não nos oferece respostas fáceis, nem nos conforta com certezas. Obriga-nos a olhar, a demorar, a pensar.
O catálogo da exposição é acompanhado pelo lançamento, em português, de Jeff Wall – Escritos de Arte, uma colectânea de 13 textos do artista, editada pela Orfeu Negro. Uma oportunidade para conhecer não só o fotógrafo, mas também o pensador, o crítico, o escritor que reflete sobre as possibilidades e os limites da imagem, sobre o papel da arte como campo de reflexão e intervenção cultural, social e política.