Joanne Harris serviu “Vinho Mágico” no Tinto no Branco – festival literário de Viseu
Nos jardins do Solar do Vinho do Dão, Joanne Harris, autora do best seller “Chocolat”, tentou passar despercebida entre os leitores. Simpática e ”low profile”, afastou-se educadamente da multidão para estar ao sol, sozinha, numa mesa junto à fonte. Sorria para quem lhe pedia um autógrafo, sem deixar de promover esse espaço pessoal que pretendia manter. Será um espaço similar a este em que a autora se refugia para poder escrever. Em conversa com a jornalista Maria João Costa, no segundo dia do Tinto no Branco – Festival Literário de Viseu, a autora nascida em Yorkshire contou que o bisavô havia tido um refúgio no jardim para poder fugir da bisavó, o avô também para poder fugir da avó, e ela para poder fugir de toda a gente.
O seu conforto enquanto conversava (quase sempre discursou encarando o público) demonstrou a prática acumulada em muitas conversas de muitos festivais. Conforme afirmou, muitas das suas histórias vêm de viagens e de festivais em que participa. Mas nem sempre foi assim. Joanne Harris deu durante muitos anos aulas de francês. Os três primeiros romances foram escritos e publicados enquanto leccionava. Só ao quarto romance é que foi possível dedicar-se inteiramente à escrita. Tinham passado oito anos desde a publicação do primeiro. Dessa convivência com os alunos nasciam personagens e enredos. “É Importante ouvir as pessoas. Têm sempre muitas histórias”, afirmou. Essa é uma das razões porque passa algum tempo nas redes sociais, especialmente no twitter. O contacto com os seus leitores apresenta-se-lhe como essencial.
A maturação da ideia do que irá fazer demora muito mais tempo do que a escrita. As histórias que vai aqui e ali colhendo podem demorar um ano a serem escritas, duas a três horas por dia, mas o desenvolvimento da ideia pode demorar uma década. No entanto, algo raro aconteceu com o último livro [The Blue Salt Road]: demorou duas semanas a ser escrito. O romance germinou no festival de skye. Num alfarrabista dessa remota ilha escocesa, comprou três livros. Quando chegou a casa tinha um enredo na cabeça. Em 24 horas, tinha 4 capítulos; em dois, tinha oito. Em duas semanas acabou o livro, que se baseia também numa cancão popular escocesa. ( a escritora sabe tocar flauta, aprendeu a tocar baixo para poder formar uma banda com o baterista por quem se apaixonara. Esta banda ainda existe e ė formada por Joanne Harris, o antigo baterista que é agora marido, e o melhor amigo.)
Nunca deixa de ler mesmo quando está a escrever. “De outra forma não leria, pois estou sempre a escrever”. E diverte-se a fazê-lo. Se assim não fosse, deixaria de escrever.
A autora de “Vinho Mágico” [Blackberry Wine], vê na comida uma daquelas coisas que todos entendemos. Liga-nos universalmente. Toda a gente tem um conhecimento intuitivo sobre comida. É por isso que gosta de escrever sobre comida ou dando à comida importância vital nos seus livros. “Sou melhor a escrever sobre comida do que a cozinhar”, afirmou. “Não bebo enquanto escrevo. Vinho e livros combinam muito bem quando se lê, mas não quando se escreve.”, disse enquanto agarrava um copo com um pouco de espumante de região de Viseu.
“Vinho Mágico” tem uma garrafa de Fleurie 1962, vinho alegre, tagarela e impertinente com um acentuado sabor a amoras, como narrador. Em inglês existe um ditado que o “vinho fala”[wine talks] . E neste caso fala sobre a vertente familiar inglesa da escritora. Bilingue, com família materna em França e família paterna em Inglaterra, Joanne Harris inspirou-se na família inglesa para escrever “Vinho Mágico” e na família francesa para escrever “Chocolate”.
Em que língua escreve, perguntou a jornalista Maria João Costa. “Em Inglês.”, respondeu. As sua publicações são em inglês e em Inglaterra porque é mais fácil de entender o mercado inglês e onde é mais fácil os livros serem vendidos.
Ainda sobre “Vinho Mágico”, houve um acontecimento que viria a marcar a escrita do livro.
Quando o avô morreu, em Inglaterra, a autora teve de ir tirar as coisas de sua casa. No sótão havia muitas garrafas de vinho oriundo de fruto. Muitas eram de amora.
A quarta edição de “Tinto no Branco”, festival literário de Viseu, teve a escritora inglesa e ainda Olivier Rolin e Mia Couto como cabeças de cartaz de um programa visto pela organização como diferenciado, através da associação da literatura aos vinhos e ao património.