José de Almada Negreiros, o que significa ser moderno
Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir mas sim uma maneira de ser. Ser moderno não é fazer a caligrafia moderna, é ser o legítimo descobridor da novidade.
José de Almada Negreiros, conferência O Desenho, Madrid 1927
Autor profuso e diversificado, José de Almada Negreiros (1893-1970) pôs em prática uma conceção heteróclita do artista moderno, desdobrado por múltiplos ofícios. Toda a arte, nas suas várias formas, seria, para Almada, uma parte do «espetáculo» que o artista teria por missão apresentar perante o público, fazendo de cada obra, gesto ou atitude um meio de dar a ver uma ideia total de modernidade.
Diogo Caetano/CCA
Na conferência O Desenho, em Madrid no ano de 1927, Almada Negreiros disse “Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir, mas sim uma maneira de ser. Ser moderno não é fazer a caligrafia moderna, é ser o legítimo descobridor da novidade.” De facto, Almada assumiu a modernidade como a sua identidade, partindo sempre à descoberta do novo e experimentando várias práticas, que dão corpo à sua obra pluralista. A exposição José de Almada Negreiros: Uma maneira de ser moderno, que inaugurou no passado dia 2 de fevereiro na Fundação Calouste Gulbenkian (ficando patente até 5 de junho), mostra-nos precisamente este Almada, que experimentou um pouco de todas as artes, incluindo pintura, desenho, cerâmica, vitral e colaborações com o teatro, a dança e a literatura, cobrindo 60 anos da sua obra.
A exposição, que conta com a curadoria de Mariana Pinto dos Santos e Ana Vasconcelos ocupa as duas salas de exposições temporárias no Museu Calouste Gulbenkian, sendo que a Galeria Principal se encontra dividida em sete núcleos, que nos convidam a um percurso pelos vários temas da obra de Almada Negreiros, e um outro núcleo na Galeria do Piso Inferior onde se explora a relação de Almada com o cinema e o humor.
Ao entrarmos deparamos-nos de imediato com o famoso Retrato de Fernando Pessoa, que Almada pintou em 1954 para o restaurante Irmãos Unidos, local de encontro da geração de Orpheu a que ambos pertenciam. Curiosamente, no final da primeira parte da exposição, encontramos uma réplica desta obra encomendada a Almada Negreiros pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1964. Sendo esta uma das obras mais significativas, não só do pintor, mas também de uma geração, toma um lugar fulcral nesta exposição, representando o espírito modernista que se apresenta. Podemos também observar nesta pintura duas características constantes na obra de Almada, o retrato e o fascínio por formas geométricas, que acompanham todo o percurso da exposição.
Eros e Psique, Oficina de Vitrais e Mosaicos de Arte de Ricardo Leone. Vitral originalmente na Biblioteca da casa da R. de Alcolena n.28, Lisboa. Diogo Caetano/CCA
Almada Negreiros considerava a “representação das relações geométricas como a base de toda a representação”. O que leva a um paradoxo entre abstração e figuração, na sua pintura dita abstrata, presente no primeiro núcleo desta exposição, fazendo uma ponte com o painel Começar, ou Ode à Geometria (1969), que se encontra no átrio da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, o que nos remete também para a relação entre o artista e a própria Fundação que recebe a exposição. O traço geométrico mantém-se, tanto nos seus autorretratos, tema muito explorado pelo pintor, onde os olhos são sempre um motivo de destaque, tal como na sua escrita. Como nos diversos retratos que realiza, de anónimos como A Engomadeira (1938), da sua família retratando a sua mãe e a sua esposa, a pintora Sarah Afonso, sendo o tema da família e da maternidade muito explorado pelo pintor, e de célebres figuras portuguesas e internacionais como Antero de Quental e a bailarina argentina “La Argentinita”. Podemos observar não só nos seus retratos, como na sua obra em geral, onde o corpo humano e o seu movimento são constantes, inicialmente um forte traço figurativo, que se torna cada vez mais geometrizado e abstrato, acompanhando o seu interesse pelo estudo da geometria.
Painel para a decoração interior do Cine San Carlos, Madrid (Jazz), 1929. Diogo Caetano/CCA
É também visível nesta exposição o interesse de Almada Negreiros pelo mundo do espetáculo. Um dos seus núcleos, Saltimbancos, é dedicado ao imaginário circense, muito presente nos primeiros modernismos do séc. XX, com toda a sua cor e pompa, mas por outro lado, retratando figuras melancólicas que viviam à margem da sociedade. Também pelos bailados e pelo teatro, Almada mostrou um grande interesse, sendo que para si “o artista moderno estava implicado na arte com o corpo, a voz, a vida”. Assim, não só Almada Negreiros pintou sobre estas temáticas, como coreografou bailados, encenou peças, desenhou figurinos, adereços e cenários para ballet e teatro, e o próprio adotou uma atitude teatral ao declamar os seus manifestos artísticos em cima de mesas de cafés, assumindo uma personagem provocadora e escandalizadora muitas vezes na companhia do seu amigo Guilherme de Santa Rita.
Retrato de Fernando Pessoa, 1964. Diogo Caetano/CCA
O cinema, influenciou também o modernista, grande apreciador do cinema de animação, a “realidade imaginada”. Na segunda parte da exposição, Cinema, Humor e Narrativa Gráfica, podemos encontrar trabalhos cinematográficos de Almada, como a projeção da lanterna mágica O Naufrágio da Ínsua (1934) e, a partir de 24 de março, La Tragedia de Doña Ajada, obra em colaboração com o músico Salvador Bacarisse e o poeta Manuel Abril.
Fotografias de José de Almada Negreiros por Vitoriano Braga, 1920. Diogo Caetano/CCA
José de Almada Negreiros: uma maneira de ser moderno, não só nos permite compreender um pouco melhor o modernismo em Portugal, como também nos dá a conhecer o emblemático artista, e todas as suas facetas. Através das suas pinturas mais representativas, dos seus desenhos, obras públicas como os frescos (para os quais encontramos os estudos) e os vitrais, da sua obra escrita, e da sua colaboração com todas as artes mencionadas, percebemos realmente, o que significou ser moderno.
Desenho para a lanterna mágica O Naufráfio da Ínsua, 1934. Diogo Caetano/CCA
Estudo para painel Começar, 1968. Diogo Caetano/CCA
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