José Soeiro: “Há um boicote total dos reitores ao programa de regularização de precários”
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
“A precariedade é o horror económico e o Estado é, hoje, o maior patrão de precários, com mais de 100 000 trabalhadores nestas condições. O Governo diz, aliás, no seu Programa, que quer combater a precariedade e até diz que quer eliminá-la definitivamente do Estado”.
Corria março de 2010, debatia-se na Assembleia da República o Orçamento de Estado para esse ano e José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, eleito pelo círculo do Porto, interpelava o Plenário com um tema candente na sociedade portuguesa – o combate à precariedade laboral. Do outro lado, na bancada do segundo Governo liderado por José Sócrates, Fernando Teixeira dos Santos, ministro de Estado e das Finanças, parecia indiferente às palavras do bloquista.
Precisamente um ano e um dia depois, a 12 de março de 2011, saía à rua o Protesto da Geração à Rasca, que levou às ruas do país e do estrangeiro meio milhão de pessoas “pelo direito ao emprego; pelo direito à educação; pela melhoria das condições de trabalho e o fim da precariedade; pelo reconhecimento das qualificações, competências e experiência, espelhado em salários e contratos dignos”.
Sócrates demitir-se-ia pouco tempo depois, na noite de 23 de março, após o chumbo do IV Programa de Estabilidade e Crescimento. A troika foi chamada e Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional emprestam 78 mil milhões de euros ao país, a troco de pesados cortes que supostamente colocariam as contas públicas em ordem.
As novas eleições mudariam a configuração na Assembleia da República: Pedro Passos Coelho chegava a primeiro-ministro de um governo conjunto PSD/CDS-PP, aplicando duras medidas de austeridade. Meses depois, era entregue no Parlamento a Iniciativa Legislativa de Cidadãos “Lei Contra a Precariedade”, uma proposta escrita por vários movimentos sociais que deu origem à Lei 63/2013, que instituiu mecanismos de combate aos falsos recibos verdes.
Estamos em 2018. O Partido Socialista está de novo no poder e inscreveu no Programa de Governo medidas concretas de combate à precariedade no Estado e fora dele, pressionado pelos acordos com BE, PCP e PEV . Foi até criado um grupo de trabalho com o BE, que traçou o caminho a percorrer, e a que os Orçamentos de Estado de 2016 (artigo 19.º, sobre a estratégia plurianual de combate à precariedade) e 2017 (artigo 25.º, sobre a estratégia de combate à precariedade) deram força de Lei.
Daqui resultaram outras duas grandes alterações legislativas. A primeira, foi o Decreto-Lei n.º 2/2018, já em vigor, mas cujos resultados serão sentidos sobretudo a partir de janeiro de 2019. Com a aplicação do novo regime contributivo dos trabalhadores independentes, quem trabalha a recibos verdes vai passar a pagar menos impostos e apenas sobre o que realmente ganha, além de ver alargados uma série de direitos em termos de proteção social. Algumas das principais alterações:
- A taxa contributiva passará a ser de 21,4 %. Atualmente é de 29,6%;
- Para empresários em nome individual a taxa irá descer para 25,17%, quando hoje é de 34,75%;
- A base de incidência da taxa contributiva passará a considerar, na generalidade, 70% do rendimento relevante do trimestre anterior. Todos os meses o/a trabalhador/a paga pelo que ganha em relação aos últimos três meses (com obrigações de declarar o que ganhou em abril, julho,outubro e janeiro). Anteriormente, tendo atividade aberta, pagava-se todos os meses tendo em consideração os rendimentos do ano anterior, tenha o trabalhador tido ou não rendimentos;
- O trabalhador poderá “gerir” o valor que paga, uma vez que o rendimento poderá ser majorado ou minorado em 25%;
- Mesmo estando vários meses sem receber qualquer remuneração os/as trabalhadores/as poderão pagar uma contribuição mínima de 20 euros (mantendo-se a possibilidade de fecharem actividade).
A segunda peça legislativa foi a aprovação da Lei nº 112/2017, de 29 de dezembro, que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, também conhecido como PREVPAP. O estudo prévio que fazia o diagnóstico de quantos vínculos precários existiam na Administração Pública identificou 116 mil trabalhadores no Estado, um número nada distante dos 100 mil que José Soeiro citava, em 2010. A integração das precárias e precários tem sido feita a conta gotas e o processo não ficará concluído no final deste ano, como era suposto.
Em todos estes processos, o deputado, sociólogo, 34 anos, tem tido um papel. Doutorado em Sociologia do Trabalho pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, já escreveu vários livros sobre precariedade, austeridade e direitos dos trabalhadores. Na atual Legislatura, coordenada os deputados do BE na Comissão de Trabalho e Segurança Social da AR.
Nota: O autor do texto e da entrevista esteve envolvido na organização do Protesto da Geração à Rasca e na promoção da Lei Contra a Precariedade.
Texto e entrevista: Pedro Miguel Santos
Preparação: David Crisóstomo (Hemiciclo), Pedro Miguel Santos, Ricardo Esteves Ribeiro
Fotografia: Frederico Raposo
Edição de som e imagem: Bernardo Afonso