Keynes, Hayek e Friedman, os pais da economia dos séculos XX e XXI

por Lucas Brandão,    30 Julho, 2017
Keynes, Hayek e Friedman, os pais da economia dos séculos XX e XXI
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John Maynard Keynes, Friedrich Hayek, Milton Friedman. O que une estes três nomes? Mais do que o tempo, mais do que a profissão, os desafios. A crise económica de 1929 havia rompido na bolsa nova-iorquina, e adensava-se o espectro da Guerra, que, tanto para trás, como para a frente, criou e criaria mais danos humanos, materiais e financeiros. A sustentabilidade nacional, assente nos mecanismos e nas estruturas sociais e económicas, seria posta em causa perante a elevada dependência dos restantes países em relação à mais forte, estável, e sólida força geopolítica do planeta. Embora rivalizada pela União Soviética, foi a potência do Ocidente que mais contribuiu para que as problemáticas liberais, neoliberais e capitalistas se evidenciassem. Desta forma, os três teóricos tentaram angariar meios para responder aos desafios que se avolumavam em contexto interno e externo, partilhando ideias, argumentos, perspetivas, mas também dúvidas, dissidências, discórdias. Foi neste palco que se deu o amadurecimento da nossa atualidade económica, para a qual surgem diferentes votos abonatórios e negativos.

Em tempos nos quais a economia se complexificou, muito por via do desenvolvimento da ciência e da própria sociedade, mais desafios surgiram na tentativa de responder à proposta de uma economia sustentável. O mundo rumou para uma realidade mais envolvente e dependente, estando a esta subjacente um plano geopolítico a ser tido em conta em toda a discussão e perspetivação económica. Neste século XX, destacam-se os três vultos acima mencionados. Começando por John Maynard Keynes, este inglês tornou-se providencial na configuração da economia, ao pôr em causa as premissas neoclássicas previamente instituídas e assimiladas. O seu trabalho iniciou-se no entendimento dos ciclos de negócio, e culminou nos anos 30 e 40, quando encabeçou essa revolução do pensamento económico, e quando redigiu “The General Theory of Employment, Interest and Money” (1936).

Sustentando-se no conceito de procura agregada, proveu-o de uma importância determinante na aferição da eficácia da sua atividade, sendo proporcional à existência de emprego sustentável e equilibrado no rácio qualidade-quantidade. Para além disso, a proposta de várias políticas monetárias e fiscais nacionais e internacionais enquadrou-se nos Acordos de Bretton Woods. Aqui, fundaram-se instituições, como o Fundo Monetário Internacional, e institui-se o padrão de ouro, que capacitava a conversão do dólar para este, para além de apelar à crescente cooperação internacional. Na base, esteve a crença de não acreditar que os mercados eram capazes de, automaticamente, recuperarem do choque da crise. Internamente, e na constituição do Estado-Providência dos anos 30 e 40, apontava o rumo para o emprego para todos e para a regulação das fontes de aprovisionamento do Estado, ou seja, os bancos.

A procura agregada permitia-lhe conferir o poder de compra, para além da própria produção, e a taxa de empregabilidade existente, pelo que surgia como o grande sustento da sua visão económica. Era por aí que apontava para o papel do governo de aumentar os seus gastos para poder controlar o investimento público, levando o défice aos níveis necessários para a sua renovada compostura, mas mantendo o dinheiro barato e acessível. Isso permitiria, para além de gerir as poupanças e reservas, conceder empréstimos aos empresários e empreendedores, que os conduziriam para a criação de valor com os trabalhadores. A taxação destes reduzir-se-ia para a atividade económica se propiciar de forma cíclica, com a aquisição de bens ou serviços capazes de rentabilizar e de gerar emprego. Em última instância, englobaria os desempregados em políticas de obras públicas e de construção de infraestruturas. Essas injeções de capital por parte das instâncias bancárias foram usadas por George W. Bush, e por Barack Obama, nas crises que se abateram nos seus mandatos presidenciais, na tentativa de estimular e de crescer por cima da crise. A chave era, assim, manter o equilíbrio da procura agregada com os gastos governamentais e privados, com o governo a assumir a criação de capital para conter as fragilidades e para potenciar as oportunidades provenientes das fontes privadas, mesmo gerando défice. Este, na plena empregabilidade, seria recuperado com uma taxação adequada para recuperar as despesas assumidas e empregadas, sem nunca lesar por excesso o normal contribuinte.

Pelo outro lado, surgiram duas vozes dissonantes, que viriam a defender algo distinto para o mercado, especialmente após as práticas de cariz socialista na fase do New Deal, originárias da sociedade de pensadores de Mont Pèlerin, na Suíça, uma espécie de think tank de cariz liberal. Isto numa fase em vias de uma estagflação (aumento simultâneo e desfavorável da inflação e do desemprego, que ocorreu após o embargo de petróleo do Irão para sua comercialização nos Estados Unidos), que veio trazer o fim do sistema keynesiano, e que apelou para formas diferentes de solucionar os desafios advindos dessas lacunas. Seriam dois nomes que, curiosamente, seriam galardoados com o Prémio Nobel da Economia. Friedrich Hayek, em 1974, e o seu admirador Milton Friedman, em 1976, a partir de uma forte crença numa perspetiva diferenciada e disruptiva, trariam novas teorias sobre as flutuações económicas, e sobre os significados por detrás destas.

Perante a adversidade causada pelo crash, e perante os postulados propostos por Keynes, e aplicados, Hayek defenderia uma outra postura, para além dos gastos adequados e devidos na reconstrução da coluna vertebral da economia nacional. Muito interessado na evolução da economia comportamental e experimental, e de origens universitárias, defenderia o regresso a uma produção sustentável por parte das forças produtivas existentes, distantes das fontes de criação de dinheiro fácil, pois era lá que residia as grandes distorções propiciadas pelas crises económicas. Foi daí que adveio a necessidade, na sua ótica, de apostar, substancialmente, no investimento privado, capaz de produzir esse crescimento. A criação excessiva de créditos por parte dos bancos gerava gastos ainda maiores, o que, em momentos de rutura, formalizaria novas crises. A situação tornar-se-ia análoga à da injeção de dinheiro a cidadãos de uma ilha isolada que, após construírem parcialmente uma máquina de grandes proporções, tinham gastado todos os seus bens financeiros antes desta prover os seus produtos. Assim, teriam de abandonar esse trabalho para se dedicarem à produção diária de pão sem recurso a qualquer fonte de aprovisionamento de capital.

Responsabilidades seriam imputadas ao Estado, por se ter envolvido diretamente nas crises económicas, em especial pela Reserva Federal ter permitido mais dinheiro nos mercados do que o devido, levando à contração que antecedeu o sucedido em 1929. A escola austríaca, onde Hayek se posicionava, era conhecida por ser heterodoxa, embora tecesse grandes influências no que se sucederia à sua apresentação, especialmente após a obra “The Road to Serfdom” (1944). Com receio de que a inflação fosse distorcer a mecânica dos mercados, atentou para o facto de, no final do estímulo dado aos trabalhadores, estes estariam a produzir bens não mais necessários, e, por isso, de utilidade e de rentabilidade parcas. Dessa forma, defendia políticas de austeridade para abater a dívida governamental, para além de cortar no investimento público, e entregando a tutela do mercado a si mesmo. Esta postura mais ou menos conservadora alimentou a ideologia do partido britânico homónimo nas suas futuras políticas, com espelho em, mais recentemente, David Cameron. Por outro lado, dava a iniciativa negocial e económica a agentes isolados, responsáveis pela tomada de decisões, mas que não estavam imunes a eventuais choques externos, para os quais não estariam prontos a responder. O desafio, embora muito difícil de se responder, estaria na previsão desses ventos desfavoráveis para o decorrer da atividade empreendida e alimentada.

Por sua vez, Friedman, de origens norte-americanas, seria um polemista, e especial crítico da economia defendida por Keynes, considerando-a ingénua e discutível, e a figura do Estado como problemática na intervenção em crises económicas, refletindo sobre tudo isto em “Capitalism and Freedom” (1962), e em “A Monetary History of the United States 1867-1960” (1963, em parceria com Anna Schwarz). Seriam vários os meios de comunicação onde conheceria uma plataforma para a exposição das suas (à data) controversas alternativas e propostas, que, a seu ver, só poderiam ser aplicadas numa crise, isto em busca de verificar alterações propriamente ditas. Mesmo defendendo a sua presença atenta na economia, advogava-o no sentido de regular os equilíbrios entre o aprovisionamento e o Produto Interno Bruto, conseguindo manter os preços estáveis. Assim, viria a trazer indicadores, como a taxa natural de desemprego, e que o emprego acima dessa taxa traria uma aceleração da inflação, inflação essa como fenómeno monetário. No entanto, estava crente de que, os sistemas, por si, conseguiriam equilibrar-se autonomamente, não acarretando juízos de valor por parte dos líderes políticos. Essas flutuações, que eventualmente surgiriam, escapavam ao controlo dos governos, apontando para os próprios mercados o destino dos valores de produção e, consecutivamente, de emprego.

“A society that puts equality before freedom will get neither. A society that puts freedom before equality will get a high degree of both.”

Milton Friedman

À luz destas premissas, nasceria o monetarismo, uma teoria de extensão e, ao mesmo tempo, de oposição às ideias de Keynes. O sustento partiria de uma pequena e sólida expansão de abastecimento monetário, de cariz independente, e com uma percentagem fixa de guarnecimento; e reforçar-se-ia com a desregulamentação do mercado, militarização voluntária, o fim do salário mínimo e das licenças médicas, a prática de taxas e de privatizações (p.e., na saúde e na educação), e a própria legalização das drogas, para que o mercado pudesse regular a sua aquisição e consumo. Outra das suas contribuições prende-se com a teoria do consumo, em que que os membros de estratos sociais mais elevados guardam uma maior proporção dos seus rendimentos do que os de menos elevados, com a proporção do rendimento a aumentar consoante o rendimento médio cresce. Referência de nomes, como o presidente norte-americano Ronald Reagan, e a “Dama de Ferro” Margaret Thatcher, e o português Aníbal Cavaco Silva, seria uma das referências do neoliberalismo, e uma das primeiras instâncias de base para a reação perante a crise de 2007/08, para além dos estados pós-soviéticos. Para além disso, e após assumir a presidência da sociedade de Mont Pèlerin, tornar-se-ia um dos porta-estandartes de figuras a conduzir as abordagens de autoridade dos tempos contemporâneos, substituindo os sociólogos e pensadores pelos economistas e tecnocratas.

Entre os dois pensadores da sociedade acima mencionada, Hayek arrependou-se de não ter revisto o ensaio “Positive Economics” (1953), do seu pupilo Friedman, pois o europeu achava que a metodologia era essencial naquilo que eram as medições quantitativas e qualitativas, devidamente estudadas e investigadas, conducentes aos resultados. Nesse paper, o norte-americano afirmava que os economistas podiam aceitar resultados empíricos advindos das análises económicas feitas. Ao divergir entre métodos estatísticos, percecionava-se a principal diferença entre ambos, levando a diferentes conclusões dos dois, e a, subsequentemente, distintas abordagens. Não obstante, isso não impedia que o núcleo-base das visões económicas que tinham fosse praticamente equivalente, ambos sintonizados com a deslocação da economia keynesiana, e com os mesmos desejos de ver o mercado autónomo e independente. De um lado, o estudioso e pensador Hayek, uma referência para os académicos; do outro, o prático e técnico Friedman, um baluarte para as figuras políticas.

As principais diferenças entre o trio prendem-se com questões temáticas e técnicas, onde as abordagens são, de todo o modo, específicas e direcionadas para a envolvente económica. No que toca aos mercados, Keynes foi apologista de uma maior intervenção do Estado na regulação dos valores e dos trâmites do mercado, para além das suas tendências e flutuações, evitando o surgimento do espectro de iniquidades (foi o grande inspirador de Franklin Delano Roosevelt na sua política económica de resposta à Crise da Bolsa de 1929). Por seu lado, Friedman e Hayek comungavam da crença na autorregulação dos mercados, defendendo a sua liberdade, totalmente independente de intervenções governamentais. Friedman, em especial, defendeu acerrimamente o conceito de um mercado livre, embora vários tenham privilegiado a visão de Hayek, mais preocupada com uma visão humana e com a subsequente ação. O Prémio Nobel da Economia de 1974, de origens austríacas, foi uma influência para a escola de economistas que viria deste país. Ainda no que toca aos mercados, o desafio que prendia os três era, precisamente, a sua antecipação, para agir de forma acertada e rigorosa. No entanto, por mais dados recolhidos, nem sempre se conseguia estabelecer uma política de estabilidade com base neles, devido a essa volatilidade dos mercados e da realidade sociopolítica.

No entanto, o figurino muda na política monetária, onde Friedman se desvincula daquilo que é a postura de Hayek, e se aproxima mais à de Keynes. Assim, sugere que o controlo do aprovisionamento monetário é capaz de suavizar recessões. Perante este cenário, Hayek surge com reservas, pois indica que a sua implementação é que conduziu a que os ciclos boom-bust (i.e., de expansão e contração repentinas) se dessem. Nesta discórdia, o austríaco denuncia o facto de, apesar de Friedman apoiar a manutenção do equilíbrio monetário, se manifesta contra a agregação de dinheiro e de preços, a apregoada por Keynes. Para este, a solução passa por despender através da instância governamental, pois acreditava que a política monetária não seria relevante na estimulação da economia, assim como na procura agregada. Não obstante, Hayek não era totalmente oposto aos agregados, mas criticava o seu mau uso, conduzindo-o para a criação das estruturas de produção como uma parte constituinte do processo produtivo. No que toca à política fiscal, Keynes trá-la como importante para a recuperação pós-recessão económica, com pacotes de estímulos provenientes do Estado. Friedman e Hayek, novamente mais coniventes, opõem-se à tal intervenção, pois vem afetar o normal decurso da atividade dos mercados. O segundo destaca a necessidade de uma postura mais estável e sentida contra qualquer intervenção desse tipo.

“The ideas of economists and political philosophers, both when they are right and when they are wrong are more powerful than is commonly understood. Indeed, the world is ruled by little else. Practical men, who believe themselves to be quite exempt from any intellectual influences, are usually slaves of some defunct economist.”

John Maynard Keynes

A economia comumente conhecida e posta em prática atualmente vai de encontro a uma espécie de união entre os ideais keynesianos e de Friedman. Numa dinâmica de estímulo à atividade económica, surge a figura do Governo, capaz de promovê-los nos supracitados pacotes, com o Banco Central a inflacionar o próprio dinheiro emitido. Hayek contrariaria esta postura através da ideia de que estimular e inflacionar seriam as sementes germinadoras de um novo desequilíbrio económico. Não obstante, as ideias exclusivamente de Keynes tornaram-se argumentadas e propostas como soluções exequíveis para o status quo da realidade socioeconómica. Porém, a discussão abunda no que toca à excessiva tecnocracia na economia e, a si inerente, na sociedade, levando a que a política se remeta à técnica, e prescinda do seu pendor humano e culturalmente fundamentado, uma tendência observada pelo próprio Keynes.

Esta situação seria ainda mais escrutinada e problematizada no pós-crise de 2007/08, em que, apesar das bases transmitidas por Hayek e Friedman, dado as lacunas evidenciadas por Keynes no surgimento da eventual estagflação, seriam vários os pensadores que sugeririam o fim da era providenciada pelo trio. Apesar de, na sua ótica, o mundo estar mais rico, seguro e, num cômputo geral, saudável, havia-se perdido o norte das crenças e ideias humanas, não existindo um corpo de ideias renovadas e capazes de enfrentar os desafios emergentes da insolvência do banco de investimento Lehman Brothers. Num conformismo latente, e pouco reativo às vicissitudes que o mundo expunha, as questões permanecem com propostas avulsas de respostas, mas sem a capacidade de, perante as vulnerabilidades emergentes, surgir algo capaz de, com novidade e sustentabilidade, responder afirmativa e convincentemente. De quando em quando, surge uma nova problemática que povoa as manchetes, e que desperta uma série de contrastantes opiniões sobre o caminho a ser trilhado, embora esbarre, com frequência, no lesar de uma ou de mais variáveis envolvidas.

John Maynard Keynes, Friedrich Hayek e Milton Friedman foram três dos principais nomes da economia do século XX, em especial naquilo que é a caraterização das teorias e práticas de então, que se arrastam até à atualidade. Apesar do respeito nutrido entre ambos, e de concordarem que os teóricos tinham mais legitimidade do que os políticos e os grandes empresários, foi notória a dissensão no que toca a perspetivas e posições sobre as mais fundamentais problemáticas associadas à realidade estudada. De um lado, incentivava-se e exortava-se a política para atentar e regular os mercados, para, dessa forma, conseguir regular a própria situação laboral e social dos cidadãos; do outro, avolumava-se a quantidade de premissas que indicavam o caminho dos mercados para a sua autogestão e para a sua regulação independente e autónoma. As opiniões dividem-se sobre ambos os modelos, caindo diversas vantagens e desvantagens para ambos, e surgindo várias posturas antagónicas, que tanto acasalam ideias de ambos, como as refutam e procuram linhas autónomas de pensamento e de operacionalização. Incontornável, todavia, é o papel destas três figuras no passado, presente, e futuro do discurso económico e financeiro, que legam um caminho marcante e importante para os emergentes desafios da realidade existente. Keynes, Hayek e Friedman são os vultos de uma contemporaneidade que permanece em constante interpretação da sua (ir)realização.

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