Khruangbin e Leon Bridges fazem resplandecer o “Texas Sun”
De um lado, aquela banda norte-americana que, longe do repertório tradicional norte-americano, quis ganhar asas e construir-se com inspiração na Tailândia, em especial com o funk dos seus 1960s – os Khruangbin. Tanto que “khruangbin” é avião em tailandês. Um grupo formado pelas figuras (e pelas perucas) de Laura Lee e Mark Speer, dois amigos unidos pelo interesse pela música e arquitetura do Médio Oriente, ao lado de Donald “DJ” Johnson. Do outro, também ele norte-americano, mas mais tradicional. No entanto, não se assuma Leon Bridges como alguém convencional. Importa a soul do seu auge – dos anos 50, 60 e 70 – até aos anos 10 e 20 já deste século. A única coisa que une os Khruangbin a Leon Bridges é as origens – são originários do estado do Texas. No entanto, e daqui em diante, haverá algo mais: um EP.
Texas Sun traz, pela primeira vez, um vocal consistente e permanente, fortemente imbuído no R&B e na soul, a um disco dos Khruangbin. Já a Bridges, traz, também pela primeira vez, a efervescência de um funk oleado com inspirações da música tradicional do Magrebe (o noroeste africano), de países como a Nigéria, o Quénia ou o Congo, do tal thai funk e de algumas fragrâncias da bossa nova. A plataforma de entendimento exprimiu-se nas melodias de um “so(u)l” que ambicionou a grandiosidade e a luminosidade do texano, o tal que os viu nascer, crescer e dar música. “Texas Sun” – a primeira faixa do EP – convida a esta aproximação de um Sol que é tão abrangente e ofuscante ao mesmo tempo que parece um caminho natural, convite esse apresentado pela profundidade das cordas da guitarra de Speer e do baixo de Lee. Bridges vocaliza e dá palavras à sensação de uma profunda estrada, naquele vazio imaginário de um carro que se desloca até ao horizonte, até ao momento em que alcança o Sol. A capa do álbum é sugestiva desse mesmo trajeto.
Entrando a “Midnight” deste Texas Sun, parece o reverso da primeira canção, embora com um trago sonoro muito similar. A mensagem de recolhimento e um aconchegar que só a noite sabe trazer, acompanhada pela suavidade e ternura dos Khruangbin, que cumprem à medida as palavras que Bridges canta. Os acordes estão lá, a voz está lá e a música cumpre-se até ao destino que o horizonte desenha lá ao fundo, naquele que é visto pelos ouvidos e ouvido pelos olhos. “C-Side” ajuda a que se componha esta unidade cada vez mais coesa, que contribui no esforço de fazer com que a voz de Bridges não seja intrusa na sonoridade dos Khruangbin. É um registo mais sério, mais conseguido, com um groove bem aplacado, embora não com a energia e mensagem de “Texas Sun”, ou com a sua complementaridade em “Midnight”.
O EP fecha com “Conversion”, a mais longa das faixas deste trabalho. É aquela que consegue, com efeito, traduzir melhor a sintonia que se foi desenvolvendo entre Bridges e os Khruangbin. Não é aquela rudeza texana nem nada que se pareça, mas sim precisamente a sua antítese. Uma concretização de que o desértico estado dos Estados Unidos não é assim tão árido em emoções e em cores que a arte pode pintar. São cores quentes e realmente reconfortantes aquelas que o sol do Texas aflora, que aquecem a música e a promete alcançar uma dimensão que só o horizonte conhece, para além, está claro, da imaginação. O instrumental prolonga-se mais a solo, embora não se distanciando da conversão desta soul a algo mais que isto: o tangível, o pronunciável.
Texas Sun é um pequeno percurso de descoberta de novas dimensões. Do lado dos Khruangbin, o que seria encontrar a sua sonoridade pronunciada com as palavras, que, por mais que nem sempre traduzam aquilo que se pretende expressar, é a forma menos imperfeita desse esclarecimento. Do lado de Leon Bridges, o que seria sair da tradição do R&B e da soul, aquela tão incutida por vozes como as de Otis Redding, Sam Cooke ou Marvin Gaye. Abandonar o fato anacrónico para colocar a peruca – ainda não aconteceu, mas quem sabe – foi a forma mais bonita de poder ver o sol do Texas sem cegar, mas sem deixar de se inebriar. É um trabalho que, na sua essência, tem esta novidade da colaboração e do desvendar de novos caminhos da música. Unindo a tradição ao vanguardismo, o tempo não é mais do que eternidade com acordes que vislumbram o horizonte e que o abrem com as palavras mágicas de Leon Bridges.