Kurt Vonnegut, um dos mais importantes e influentes escritores depois da II Guerra Mundial

por José Malta,    10 Novembro, 2017
Kurt Vonnegut, um dos mais importantes e influentes escritores depois da II Guerra Mundial
Kurt Vonnegut / DR
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Kurt Vonnegut foi um dos mais importantes e influentes escritores do pós-guerra, não só pela sua obra literária composta por catorze romances entre outros tantos textos, publicações e trabalhos, mas também pelo seu estilo satírico misturado com algum humor negro que lhe confere um lugar na história da literatura contemporânea.

Vonnegut combateu na segunda guerra mundial ao serviço dos aliados e testemunhou o Bombardeamento de Dresden, um dos maiores massacres de guerra alguma vez cometidos. No dia em que celebraria 95 anos, recordar Kurt Vonnegut é relembrar um escritor que se mantém actual, continuando a chamar à atenção de leitores de todo mundo. A sua história de vida fez com que conseguisse atingir patamar literários que tornaram as suas obras inicialmente em best sellers e que o tempo as conduziu para a categoria de long sellers. Nascido no dia 11 de Novembro de 1922 em Indianópolis, no seio de uma família imigrante alemã que chegara aos Estados Unidos em finais do século XIX, sempre mostrou grande aptidão para línguas e humanidades desde muito cedo. Ambicionaria tornar-se arquitecto tal como o seu pai, mas a família achou que se deveria especializar numa área que lhe pudesse ser mais útil e que lhe conseguisse oferecer uma maior estabilidade financeira. Acabou por se formar em Química, tal como o seu tio, especializando-se mais concretamente em Bioquímica pela Universidade de Cornell em Nova Iorque. Kurt Vonnegut nunca revelara grande entusiasmo pelo curso acabando por concluí-lo com notas abaixo da média o que o levou posteriormente a escolher outra via profissional começando assim por ingressar no exército norte-americano.

O Ataque a Pearl Arbor em 1941 levou a que os Estados Unidos da América tivessem entrado na segunda grande guerra. Na altura, Kurt Vonnegut que já estava alistado no exército foi um dos combatentes que combateu ferozmente juntamente com os restantes membros dos exércitos das forças aliadas. Vonnegut recebeu treino militar como engenheiro de armas, numa altura em que a sua mãe cometera suicídio após uma elevada dose de ingestão de comprimidos. Meses depois, Vonnegut seria enviado para a Europa, para combater a favor dos americanos, ao lado das forças aliadas. Em Dezembro desse mesmo ano fora capturado durante a batalha de Bulge, juntamente com outros 50 soldados, pelas forças militares alemãs que os fizerem prisioneiros. Durante este período e dada a sua formação em química, foi forçado a trabalhar numa fábrica de vitaminas permanecendo durante a noite num matadouro com os restantes prisioneiros. A 13 de Fevereiro de 1945, Dresden tornou-se alvo das forças aliadas tendo sido fortemente bombardeada, sendo este um dos mais violentos episódios da segunda grande guerra. Consta-se que tenham sido 25 mil as vítimas mortais sendo este uma das maiores carnificinas alguma vez testemunhadas. Vonnegut assistiu a tudo tendo ficado fascinado com nível da destruição em Dresden, vendo assim a cidade alemã transformada em ruínas. Sobreviveu escondido num armário de carne de três andares e logo após o bombardeamento ter terminado, retomou novamente aos trabalhos forçados, escavando os corpos dos escombros juntamente com outros prisioneiros. Foi este seu testemunho que inspirara grande parte de toda a sua obra literária, em particular Slaughterhouse-Five, considerado por muitos uma das maiores peças literárias do pós-guerra e o trabalho mais ilustre de Vonnegut enquanto escritor. A obra relata a vida de um combatente da segunda grande guerra, Billiy Pilgrim, que se torna volúvel no tempo e que consegue transportar-se tanto para o passado como para o futuro. A personagem entra em contacto com um planeta situado a cerca de 50 anos luz da Terra, de seu nome Tralfamadore, dado o seu estado de demência avançado. Matadouro Cinco (ou a Cruzada das Crianças), traduzido para português, que foi publicado em 1969 fora inspirado nas vivências de Kurt Vonnegut durante a segunda guerra mais concretamente sobre o bombardeamento de Dresden, adaptando assim alguns dos companheiros à história relatada no livro.

Depois da segunda guerra regressa novamente aos Estados Unidos onde se casa com a sua namorada Jane Marie Cox que conhecera desde os seus tempos de infância, a 1 de Setembro de 1945, precisamente na véspera do fim da segunda grande guerra. Com Jane tem seis filhos: Mark Eddith e Nanette fruto da relação, e mais tarde adpotara os filhos da sua irmã que morrera em 1958 ainda James, Steven e Kurt. Pouco tempo depois, e apesar da sua formação em química, ingressa na licenciatura em Antropologia muito provavelmente influenciado pelos episódios que viveu na guerra, sentido assim a necessidade de estudar algo que lhe fosse mais cativante. Em 1952 publica o seu primeiro romance Player Piano, uma história sobre uma possível terceira guerra mundial onde os operários de fábricas são substituídos por máquinas, que teve um sucesso bastante considerável. Este foi assim o primeiro passo de Kurt Vonnegut enquanto escritor e que o levou assim a escrever e a publicar também contos e histórias em várias revistas. Prossegue ainda com os romances The Sirens of Titan (1959) Mother Night (1961) e ainda Cat’s Cradle (1963), uma história que retrata a vida do suposto inventor da bomba atómica, também ele inventor de uma substância que consegue congelar facilmente aquilo que entra em contacto, baptizada por gelo-nove. Nesta famosa obra, Kurt Vonnegut faz questão de inventar uma nova religião fictícia, o Bokonismo, pois como ateu convicto que era a religião era algo que fazia questão de satirizar nos seus livros. Seguiram-se God Bless You, Mr. Rosewater (1965) e o então famoso Slaughterhouse-Five em 1969. Ainda publicou os romances Breakfast of Champions (1973), Slapstick (1976), Jailbird (1979), Deadeye Dick (1982), Galápagos (1985), Bluebeard (1987), Hocus Pocus (1990) e Timequake (1997) contando ainda com outras obras de ficção e não-ficção de sua autoria. Algumas foram adaptadas ao grande ecrã tendo sido uma enorme contribuição para a elevação do nome de Kurt Vonnegut, não só como escritor, mas também como humanista como o próprio se assumia.

Em 1970 separa-se de Jane e volta a casar em 1979 com a fotógrafa Jill Krementz de quem tem uma filha, Lily. Consta-se que, em meados dos anos 80, Vonnegut se tenha tentado suicidar com comprimidos e álcool tal como a sua mãe o fizera, após uma crise. Em 2000 sobreviveu a um incêndio na sua casa que se suspeitara que tivesse sido provocado pelo próprio, tudo porque para algumas das pessoas que sobreviveram às atrocidades da guerra geravam em si tendências suicidas dadas aos acontecimentos anteriormente vividos. Durante os anos seguintes Kurt Vonnegut mostrou-se activo relativamente à sociedade norte-americana e à sociedade global. Politicamente sempre se mostrou um crítico da guerra, tendo-o demonstrado em várias entrevistas que deu e em textos que escreveu. Considerou-se ainda um homem sem país, “a man without country”, muito devido às políticas que os Estados Unidos da América exerceram durante os anos após a guerra. Mostrou-se um grande crítico às políticas de George W. Bush bem como os conflitos onde os Estados Unidos se envolveram ao longo dos anos.

Kurt Vonnegut veio a morrer no dia 11 de Abril de 2007, aos 84 anos, após uma queda na sua casa provocada pelas lesões cerebrais que sofrera semanas antes. Deixou um legado literário e humanístico que inspirou outros tantos escritores e pessoas que nele viam um exemplo de ser humano. Dadas as suas qualidades como escritor e como explorador da ficção científica, um asteroide foi baptizado com o seu nome: o asteróide 25399 Vonnegut, na cintura de asteróides. É por isso, indubitavelmente, um escritor com um estilo de escrita único que envolve diversas vertentes como a sátira, o humor negro, a crítica e um conjunto de elementos que se misturam com a realidade tornando por vezes difícil de a distinguir da ficção. Passados já dez anos desde a sua morte e quase um século desde o seu nascimento, Kurt Vonnegut é e continuará a ser lido por leitores de todo o mundo assim como continuará a inspirar escritores de todo o mundo. E este é sem dúvida o maior feito que qualquer escritor do mundo ambiciona alcançar.

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