‘Lady Macbeth’: o desejo fatal na época vitoriana
O desejo feminino indomável em pleno décor da Inglaterra vitoriana, embora sem ponta dos pudores e tiques de Jane Austen, concretiza a excelente estreia no formato de longa metragem do encenador brit tornado realizador David Oldroyd, num conto maldito em que se percebe até algum eco do romance assolapado de O Monte dos Vendavais. Pelo caminho revela-nos essa força da natureza chamada Florence Pugh provavelmente no papel feminino mais forte do ano. Ela que apenas dera nas vistas em 2014, no seu filme de estreia, The Falling, ao lado de Maisie Williams (a Skye da série A Guerra dos Tronos).
Estreia então, finalmente, Lady Macbeth depois de ter sido apresentado ainda o ano passado em estreia mundial no festival de Toronto e ter vencido o prémio da crítica internacional em San Sebastian, onde pela primeira vez vimos o filme. Recuperámos agora todo esse vigor na antestreia promovida pela Alambique e que contou com a presença do realizador disponível depois para uma animada conversa com os espetadores. Oldroyd que estará ainda presente numa sessão especial de estreia com a participação da psicóloga Joana Amaral Dias, dia 20, no cinema Monumental em Lisboa.
O que é interessante reparar é na forma como o cineasta britânico convoca toda a sua experiência de encenador para esta adaptação de Alice Birch ao conto do século XIX intitulado Lady Macbeth of Mtsensk District, de Nikolai Leskov, partindo de elementos da rainha de Shakespeare, mas alterando a maldade original pelas consequência do desejo fatal. Aqui se narra o destino da jovem Katherine, depois de ser vendida para casar com um proprietário rural, num casamento não concretizado, mas que rejeitará o seu destino e decidindo conquistar a sua liberdade e afirmar todo o seu desejo num mundo totalmente dominado por homens.
A porta para a liberdade será aberta pelo provocador e sedutor viril Sebastian, um homem com uma marca próxima de Heathcliff, do romance de Emily Bronté, aqui na personagem defendida com brio por Cosmo Jarvis, uma revelação em potência, ele que apenas tinha um filme no ativo, The Naughty Room, de 2012, mas que assina e protagoniza. Em todo o caso é na aposta em Florence Pugh que reside parte do fascínio neste filme. Porque de alguma forma sentiremos alguma proximidade ao destino de Katherine, desde a total submissão ao seu senhor e ao longo da viagem insólita em que somos confrontados com o limite dos atos mais radicais que uma mulher será capaz de fazer por amor e por liberdade.
Oldroyd prova ser o homem ideal para esta adaptação, operando uma eficaz transição entre a opressão claustrofóbica e a sua explosão de desejo e violência. Em vez do plano calculado da Lady Macbeth de Shakespeare, Katherine acaba por convocar aqui esse espírito de feminilidade que atravessa os tempos. Grande estreia, Mr. Oldroyd. Ficamos ansiosos à espera de mais.
Texto escrito por Paulo Portugal, publicado no nosso parceiro Insider Film