‘L’amant d’un jour’, e a fidelidade aos olhos de Philippe Garrel
Em 2013, Philippe Garrel, bastião do cinema independente francês, iniciava com La jalousie (“o ciúme”, traduzido) e posteriormente com L’ombre des femmes (2015), uma abordagem “freudiana” sobre as relações (como de resto o fez um pouco ao longo de toda a sua carreira) focando-se nas traições e, sob esse espectro introduzindo nas suas histórias personagens femininas, marcantes, sob as quais se focariam as narrativas, remetendo o papel masculino para segundo plano. A emancipação feminina no seio da relação, prescrutando sob o seu ponto de vista os novelos com que se cosem o ciúme e a traição das narrativas consequenciais de Garrel.
L’ombre des femmes representava um homem subjugado ao poder da sedução feminina; uma subjugação que chega a ser quase cruel. O realismo (em boa verdade potenciado sempre pelo pouco orçamento que as obras do cineasta têm) que se ouve no chão a ranger, que se vê pela falta de dinheiro, pelas paredes mal caiadas e que por último é constatável pelo homem, fraco, que cede a um poder que não consegue controlar, porque lhe é exterior. Neste L’amant d’un jour mantêm-se alguns aspectos constantes das obras do francês. Filmado a preto e branco (marca d’água do realizador) o realismo de sempre, mas as oposições dos lados deste triângulo que nos é mostrado são completamente diferentes.
O início do filme dá-nos os vários lados em análise. De um, Jeanne (Esther Garrel, filha do realizador) chora convulsivamente e faz-se acompanhar de uma mala. Percebemos de imediato ter acabado uma relação e que está neste momento sem sítio onde ficar. De outro, Gilles (Eric Caravaca), um professor entra numa casa de banho da faculdade para fazer sexo com uma aluna que descobriremos ser a sua actual namorada Arianne (Louise Chevillote).
Gilles é pai de Jeanne, e Jeanne tem a mesma idade de Arianne. É esta oposição que se irá confrontar ao longo do filme, e é também esse o foco de interesse pela forma como Garrel consegue fazer esta “dança” entre personagens. Serão Jeanne e Arianne a conduzir todo o filme. Arianne questiona-a se é incomodativo o facto do seu pai namorar com uma rapariga da sua idade. Ela nega-o, e é aqui que começa a ser ainda mais interessante analisarmos as cenas pois as expressões dos intervenientes comunicam, o corpo fala e exprime-se, daí os focos constantes que caem sobre os rostos dos actores. Em L’amant torna-se necessário observarmos mais do que aquilo a que estamos habituados num filme típico.
Garrel vai directo ao assunto. Pai e filha falam abertamente sobre problemas nas suas relações e sobre a fidelidade – quantas vezes acontece realmente isto na vida “real”? – não sem antes termos uma dose de realismo como as que o anterior filme desta trilogia nos habituou. Gilles lida com os ciúmes da sua jovem namorada pelo facto dele ter beijado primeiro a sua filha que ela, assim como pelo facto deste não querer fazer sexo com a filha em casa.
Arianne tem uma forma idílica, utópica perante os relacionamentos sexuais. Em conversa com Gilles este revela-lhe que não se importa que Arianne tenha outros parceiros, desde que ignore a sua existência. Ao conversar com Jeanne diz-lhe que os homens não toleram uma mulher que os use unicamente para sexo da forma como eles fazem. Após uma dessas aventuras sexuais de Arianne, esta escreve num espelho “nunca mais”; estamos perante uma mensagem dirigida para o “amante de um dia” mas também não deixamos de pensar que esta necessidade de o escrever era uma mensagem que Arianne queria passar para ela mesma, também. Ao longo do filme são sistemáticos os olhares quase inocentes (numa excelente interpretação de Louise), apaixonados por Gilles, apesar dos seus comportamentos.
Garrel tornou a personagem de Arianne numa pessoa intrigante. A forma como busca mais das personagens colocando as duas jovens numa amizade improvável (tendo em conta o que ambas representam para Gilles seria mais óbvio o confronto que a sua aproximação) fomentada pelos segredos que ambas partilham. No entanto, o histórico realizador desconsiderou a personagem masculina, tornando-o quase sem sabor (uma outra perspectiva de um professor de Filosofia), sem qualquer chama, meramente passivo e estaticamente analítico. Já em relação a Jeanne também pouco nos é trazido, servindo apenas de âncora para Arianne. O tema, interessante, sabe a pouco pela forma quase díspar com que as três visões (não) se interligam, faltando coerência. No enanto, mesmo nas suas falhas, há muito mais a elogiar que a criticar nestes “amantes de um dia”.