“Last and First Men”, de Jóhann Jóhannsson: uma profunda experiência visual
Na sua obra de ficção cientifica intitulada “Last and First Men”, o escritor britânico Olaf Stapledon aborda a história da humanidade desde o tempo presente até demasiados anos à frente no tempo, onde diversas espécies humanas se desenvolveram de forma distinta, atingindo a imortalidade, mas enclausurada numa galáxia em vias de extinção. Esta obra antecipa, em vários anos, a engenharia genética e todo o conceito de rede invisivel de conhecimento, um processo telepático que permite aos seres humanos partilharem todo o tipo de informação sem falarem. De forma incrivelmente única e inovadora, Olaf criou o primeiro conceito da internet futura, aliás um conceito tão inovador que ainda não existe em 2020, onde todos os dados de informação são processados através de telepatia.
Em 2017, o compositor islandês Jóhann Jóhannsson, que infelizmente faleceu em 2018, adaptou a obra de Olaf a filme, ou talvez mais correctamente a uma instalação de arte visual. Esta é a sua primeira longa metragem, após uma curta metragem uns anos antes. Mais conhecido por ter criado a banda sonora de filmes como Sicario, Prisoners e Arrival, Jóhann arrisca na abordagem e cria algo completamente único no cinema moderno. À primeira vista é fácil apontarmos a curta metragem “La Jétee” (1962) de Chris Marker como grande inspiração para este “Last and First Men”, mas a forma como a narração cria toda a composição visual aliada à obra, retira-nos um pouco desse universo e dá-lhe um toque mais moderno.
Narrado por Tilda Swinton, “Last and First Men” é uma experiência visual que nos conduz por locais lindíssimos da antiga Jugoslávia, através da banda sonora trágico-espacial do próprio Jóhann Jóhannsson. Apesar de não conter actores, nem diálogos, “Last and First Men” é um filme de drama, de aventura e de fantasia misturada, naturalmente, com ficção cientifica. A forma como Tilda narra toda a accção e a conjugação dessa mesma narração com os elementos visuais de prédios e monumentos do antigamente que mais parecem do futuro, criam uma linguagem própria raramente vista no cinema. Esta linguagem está mais presente em instalações visuais, muito próprias de diversos artistas de arte moderna como, por exemplo, Andy Warhol.
Visualmente, “Last and First Men” não é um filme fácil. Os planos são bastante longos, com poucos cortes e pouco movimento. Os diálogos têm longas pausas e a acção demora em arrancar. Contudo, se mergulharmos no texto, nos detalhes da sua composição e própria escolha de palavras, somos rapidamente conduzidos para um outro universo, que Jóhann adaptou de forma brilhante. Existem momentos de grande acção, de drama, que são provocados pela forma como Tilda entoa cada palavra e também como os monumentos vão progredindo no ecrã. Apesar de Jóhann se ter concentrado maioritariamente apenas em edificios abandonados e monumentos antigos, existe uma grande envolvência da natureza em cada plano, visto que cada um desses monumentos está quase sempre isolado numa vasta planicie, floresta ou qualquer outro cenário natural. Como é natural, todo o ambiente sobrevive graças à banda sonora e elementos sonoros que Jóhann e Yair Elazar Glotman conseguem aqui criar. A banda sonora é quase 50% do filme, conduzindo o espectador a par com a brilhante narração de Tilda.
“Last and First Men” é uma obra enorme do século XXI que ainda não atingiu a sua consagração. Não é um filme fácil, visto que a sua narração bastante lenta e ausência de actores e movimento afastar a maioria dos espectadores. Contudo, se lhe dermos uma oportunidade e mergulharmos no seu universo, “Last and First Men” vai dar-nos uma experiência única que apenas os grandes artistas são capazes de proporcionar.