Levantado do Chão

por Bernardo Oliveira,    6 Fevereiro, 2020
Levantado do Chão
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Os livros de José Saramago chegaram-me às mãos naquela idade em que se começam a ler obras a sério. Tinha à volta de 15 anos quando decidi ler ‘’As Intermitências da Morte’’. Tal leitura fez com que, pela primeira vez, realizasse uma exposição oral para a turma na disciplina de Português. A situação foi-se repetindo depois, o que me fez nunca mais me esquecer que o escritor nasceu em Azinhaga no ano de 1922, venceu o prémio Nobel da Literatura em 1998 e faleceu em 2010.

A quantidade de livros que já consumi deste escritor trazem-me uma única preocupação: um dia, quando fechar a sua última obra, deixarei de ter livros de José Saramago para ler. Ainda assim, enquanto esse momento não chegar, vou disfrutando ao máximo cada palavra por ele escrita.

Posto isto, terminei recentemente de ler ‘’Levantado do Chão’’, desta vez devido ao facto de a obra fazer parte do plano curricular de uma cadeira que tenho na faculdade. O livro acompanha três gerações da família Mau-Tempo, desde a monarquia constitucional até à democracia; passando pela incompreensão e algum alheamento das personagens face a quem governa, pela consciencialização de que viviam num regime opressor, e terminando na revolução de abril.

O livro é um hino ao povo que trabalhou no campo, de sol a sol, para receber uma mísera jorna ao final do dia. Para além disso, o narrador introduz a Igreja, sempre conivente com os governantes, através da personagem do Padre Agamedes.

Agamedes é utilizado não para descrever uma personagem única que nasce, vive e morre, mas toda uma classe clerical comprometida com o Regime, difusora dos seus ideais durante os sermões semanais. Além do referido padre, há também referência aos latifundiários, cujos nomes acabam sempre em ‘’Berto’’, o que interpreto como tendo o objetivo de demonstrar que todos eles adotavam a mesma postura mesquinha e prepotente.

No entanto, o que salta à vista na obra é a capacidade que José Saramago tem de nos colocar a nós leitores ao lado dos trabalhadores, a cavar a terra enquanto os raios de sol amolentam o corpo. De nos fazer sentir as dores de João Mau-Tempo quando é apanhado pela PIDE. De nos fazer sentir parte da população de Monte Lavre.

É preciso entender um pouco da História de Portugal, nomeadamente do século XX, para compreender alguns dos momentos retratados no livro. Existem episódios reais referidos ao longo da obra, como a implantação da república, a guerra colonial ou a existência de comícios de apoio ao regime, para onde João Mau-Tempo vai sem perceber porquê, apenas obedecendo.

Deste modo, a obra deixa completamente a nu a vida da esmagadora maioria do povo português, em especial o alentejano, sobretudo no Estado Novo. Sejamos de direita ou esquerda, há algo ao qual todos devemos ser sensíveis: ao esforço daqueles que dão a vida pelo seu trabalho, produzindo para patrões que não lhes reconhecem o esforço. É isso que José Saramago nos procura transmitir. O escritor canta o povo e o seu suor. Canta aquilo pelo qual tantas famílias com dificuldades tiveram de enfrentar na vida. Para além disso, o narrador traz-nos também a censura forte e repressora da polícia política, que apoiava os poderosos e detinha aqueles que faziam frente ao regime.

Assim sendo, há conclusões retiradas do livro que podemos transpor para a atualidade, sobretudo em relação àquilo que queremos ou não nos nossos dias. Numa altura em que se receia o reaparecimento da extrema direita e extrema esquerda, há algo que nunca nos devemos esquecer: do passado, da História.

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