Little Friend: “É o núcleo da minha ‘persona’ musical, um pouco de melancolia e da introspecção que me caracteriza”
Depois de We Will Destroy Each Other, lançado em 2013, é chegada a altura do segundo disco de Little Friend — A Substitute For Sadness. Em princípio, estima-se que o álbum seja lançado em Março ou Abril deste ano. Essencialmente cantautor e escritor de canções introspectivas, foi através dessa simplicidade inerente e atenta, sobretudo, à estrutura dos temas, que John Almeida se deu a conhecer. Agora, após um hiato de cinco anos, e segundo o que o próprio conta, este novo trabalho é, sobretudo, eclético, “com muitos pontos estéticos e sonoros diferentes, com algo mais pop, algo mais acústico, algo mais eletrónico, algo retro, enfim, um pouco de tudo que perfaz as minhas influências.” Há, sim, uma viragem, um maior revestimento das canções e uma acuidade mais vincada no que diz repeito aos arranjos, a cargo de André Tentúgal. Isso não quer dizer, no entanto, que o sentimento de cantautor e trovador de letras mordazes que tocam na ferida emocional se tenha extinguido, pelo contrário. “… também nisso o André soube ser um produtor no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, elevou as músicas sem as diluir. E foi uma sensação incrível estar no estúdio e ver que o João, que misturou o disco e o gravou, e o Cláudio, que tocou as baterias, estavam na mesma onda, e estavam a acreditar nas músicas, estavam a sentir.” Produzido por André Tentúgal, também responsável pelos arranjos, A Substitute For Sadness foi gravado nos Estúdios Sá da Bandeira, no Porto. Enquanto se espera pelo seu lançamento, já se pode ver o videoclip de Sombre Song, também realizado pelo André e intensamente interpretado por Tommy Luther Hughes. “Com um actor menos experiente ou menos capaz daquela entrega, não teria ficado como ficou. (…) A fragilidade é parte da música, está na letra, (Good or ill, we carry the dreams we kill), o arrependimento, os remorsos que carregamos a vida toda e que nos podem fragilizar ou tornar mais fortes. A imagem também transporta essa ideia, de todos nós andarmos sempre meio-cegos, entre hesitações e arrependimentos”, foi o que o John Almeida me contou na entrevista que se segue. É só ler.
Vamos, primeiro, tentar relacionar as coisas! Curiosamente, quando o We Will Destroy Each Other saiu, caracterizava-se pela simplicidade dos arranjos e da instrumentação. Por isso mesmo, havia um tema que se destacava por seguir uma outra via, o One Day. Lembro-me, também, de me teres dito, na altura, que gostarias de abrir o leque musical para a próxima com uma orquestração e arranjos diferentes. E mais, que embora não te imaginasses a fazer um álbum de electrónica sem guitarras, até poderias fazer um disco com uma música electrónica e as outras não. Sumamente, não foi o que acabou por acontecer, cinco anos depois, com o Substitute for Sadness? As sementes já vêm daí, das ideias que já tinhas na altura, ou essa “reconstrução” do som advém, somente, deste hiato de cinco anos?
Era, sem dúvida, uma ideia que já vinha dessa altura, e a One Day é mesmo prova disso. Nunca me regi por preceitos muito rígidos de forma e estilo, e acho que posso fazer muitas coisas diferentes sem deixar de ser Little Friend. O hiato de 5 anos também ajudou a cimentar essa visão das coisas. Quando juntei algumas músicas, ao longo do tempo, e me deparei com um possível disco que se parecia muito ao We Will Destroy Each Other, não quis fazer as coisas assim. Se a isto juntarmos um turbilhão de coisas que estavam a acontecer na minha vida pessoal, era inevitável que eu parasse, pensasse, e recomeçasse de outra forma, com outra estética, com outra direção.
De que forma este hiato, em relação ao lançamento do primeiro disco, te foi essencial para direccionares as coisas da forma como querias? Como achas que a tua maturação enquanto artista evoluiu?
Como disse ali acima, o hiato foi causado por várias coisas: principalmente uma vida pessoal que não me deixou muito espaço para a música, não porque a música deixasse de fazer parte de mim, mas por uma série de razões práticas, logísticas, se quiseres. Depois de decidir, ao ouvir as demos que tinha, que precisava de “apagar” tudo e começar de novo, senti-me muito aliviado porque, na realidade, não havia razão nenhuma para eu estar a repetir-me, não tinha uma legião de fãs a satisfazer, nem uma editora que esperasse um certo “produto” dentro de moldes concretos. Pensei logo em fazer uma coisa como a que fiz: com muitos pontos estéticos e sonoros diferentes, com algo mais pop, algo mais acústico, algo mais eletrónico, algo retro, enfim, um pouco de tudo que perfaz as minhas influências. Foi muito natural deixar que a maturação como artista acontecesse, porque as sementes estavam lá, foi só deixar de ter medo de fazer o que queria.
De que forma esta abertura do leque de orquestração e arranjos te desafiou? Mais uma vez, nesse sentido, contaste com a colaboração do André Tentúgal.
Foi um desafio, inicialmente, porque eu não sou uma pessoa muito técnica, não sou um mestre do estúdio nem da produção. Foi nesse ponto que o André foi, mais uma vez, uma pessoa essencial. Há muitas coisas que para mim são difíceis de concretizar e que para ele são quase inatas: arranjos e orquestração são coisas que eu consigo imaginar na minha cabeça, mas que tenho alguma dificuldade me tornar palpáveis. O André é um génio no que a isso diz respeito. E, no processo de gravação, o pessoal do Estúdio Sá da Bandeira, o João Brandão e o Cláudio Tavares, também foi fulcral porque entenderam muitíssimo bem o que nós queríamos e o que precisávamos. Mas foi além disso, o disco que eles fizeram connosco foi quase um trabalho de amor, foi uma coisa coletiva, e eu sinto que o disco é deles também.
O trabalho e a entreajuda entre ti o André Tentúgal já é de longa data. Tanto no que diz respeito ao audiovisual, o videoclip é com a realização dele, como musical. Como é que a vossa colaboração se conjuga e enquadra? O que é que ele é capaz de trazer de novo?
A nossa colaboração é, como dizes, de longa data. Funciona porque nos entendemos bem a nível pessoal e porque temos uma espécie de telepatia quando trabalhamos juntos. O processo começa com as minhas ideias e quando gravo umas demos foleiras que lhe levo. No estúdio dele, o André pergunta-me o que pretendo para cada música e, como tenho um grande à vontade com ele, sinto-me livre para lhe dizer as coisas mais estapafúrdias, por vezes — nada é demasiado estranho ou ambicioso. A coisa mais fantástica é que ele entende tudo o que quero, mesmo com a minha falta de jeito para explicar-me. E consegue, com facilidade, levar as músicas onde eu quero que elas vão.
No entanto, o sentimento de cantautor, escritor de canções mordazes e que não têm medo de tocar na ferida emocional, continua.
Isso é essencial. É o núcleo da minha “persona” musical, um pouco essa melancolia, essa introspecção que me caracteriza. E também nisso o André soube ser um produtor no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, elevou as músicas sem as diluir. E foi uma sensação incrível estar no estúdio e ver que o João, que misturou o disco e o gravou, e o Cláudio, que tocou as baterias, estavam na mesma onda, e estavam a acreditar nas músicas, estavam a sentir. Devo dizer que a experiência da gravação deste disco foi tão boa que nem sei bem exprimi-lo. Porque, no fundo, tirando a produção, os arranjos, as canções é que interessam. A música, a letra, o esqueleto está lá sempre.
Como é que tu encaras essa suposta tristeza? Chama-se tristeza ou, antes, crescimentos ou maturidade emocional honesta? Como é que isso evolui ao longo do tempo?
Eu não a considero tristeza. É como dizes, uma suposta tristeza. É, talvez, uma abertura para olhar para dentro da alma, para mergulhar na escuridão que temos dentro de nós. Talvez seja um cliché enorme, mas a verdade é que as coisas melancólicas ecoam muito mais comigo do que as leves. Eu sou muito mais atraído para artistas e bandas “tristes” ou introspetivos do que para aqueles que estão sempre “alegres”. Não quer dizer que não goste, mas as minhas afinidades não vão por aí e acho que a razão principal está mesmo nas letras. É a coisa que mais me retém a concentração. Ao longo do tempo, também aprendi a não me sentir envergonhado por isso e a não pedir desculpa por gostar do que gosto. Se é crescimento ou não, não sei.
Fala-me um pouco sobre o videoclip. Está muito concentrado na capacidade de interpretação do actor. Na capacidade em transparecer, acima de tudo, fragilidade. Parece estar encoberto por um constante nevoeiro. A ideia era essa?
O videoclip resultou de várias trocas de ideias entre mim e o André, que o realizou. Penso que eu terei dado uma ideia e que o André extrapolou logo mil e uma coisas que podíamos fazer dentro desse cenário, como é seu hábito. A escolha do Tommy (Luther Hughes) para representar no vídeo foi o ponto mais essencial. Com um actor menos experiente ou menos capaz daquela entrega, não teria ficado como ficou. Ele até me assustou com a rapidez com que assumiu a personagem e viveu aquela história hipotética que o André lhe contou. A fragilidade é parte da música, está na letra, (Good or ill, we carry the dreams we kill), o arrependimento, os remorsos que carregamos a vida toda e que nos podem fragilizar ou tornar mais fortes. A imagem também transporta essa ideia, de todos nós andarmos sempre meio-cegos, entre hesitações e arrependimentos.
Curiosamente, e até porque tu és, também, um amante de cinema, apresentaste, pela primeira vez, as músicas do Substitute For Sadness no Porto Post Doc. Como correu?
Acho que o convite do festival também partiu de saberem que sou amante de cinema. Acho que há, sem dúvida, uma qualidade cinematográfica na minha música e que ela se presta bem a imagens. O concerto correu muito bem, foi uma forma muito agradável de regressar aos palcos, depois de tanto tempo. Como toquei a solo, foi um desafio pegar nas músicas novas e tocá-las na guitarra: tive de as transformar, adaptar, e isso também me exigiu alguma coragem. Estava nervoso, mas foi uma experiência fantástica.
Entrevista de Ana Isabel Fernandes