Los Angeles montou sistema “modelo” para gerir crise de migrantes na Califórnia
A chegada de autocarros com migrantes, muitas vezes sem aviso ou com apenas horas de antecedência, tornou-se uma imagem habitual na Union Station, na baixa de Los Angeles, costa oeste dos Estados Unidos.
Vêm da fronteira com o México em San Diego, a cerca de 2 horas de distância, vêm de outras partes do país e, desde o ano passado, chegam em autocarros enviados pelo Texas.
No último autocarro com migrantes que chegou a Los Angeles, doze pessoas apareceram sem sapatos porque aqueles que traziam foram confiscados pela patrulha da fronteira sul dos Estados Unidos, que atravessaram em busca de asilo.
“Estava bastante frio quando chegaram e não tivemos sequer pré-aviso”, contou à Lusa Jorge-Mario Cabrera, diretor de comunicação da CHIRLA – Coalition for Humane Immigrant Rights, uma coligação que dá assistência humanitária aos migrantes que desembocam em LA a precisar de ajuda.
A crise migratória na fronteira sul dos Estados Unidos está a dominar o ciclo noticioso e a campanha presidencial devido à grande escala: em dezembro, foi batido o recorde histórico de quase 250 mil detenções por travessia ilegal. Juntando aqueles a quem foi permitida a entrada, o número de pessoas com quem a patrulha da fronteira lidou ultrapassou pela primeira vez os 300 mil num mês.
Los Angeles tem conseguido evitar uma crise de grandes proporções, ao contrário de cidades como Nova Iorque e Chicago, que estão a braços com uma situação calamitosa devido ao aumento do fluxo de migrantes. Mas a situação tem-se tornado mais complexa nos últimos meses.
Em outubro, 85 famílias de migrantes foram acolhidas na Union Rescue Mission, que habitualmente fornece apoio a pessoas sem-abrigo, e 27 famílias foram levadas para a Angeles House, na zona de Compton.
“Los Angeles e a Califórnia sempre foram grandes destinos de migração de todo o mundo e isso nunca mudou”, ressalva Jorge-Mario Cabrera. Um em cada três habitantes de LA são imigrantes e no estado há um total de 10,4 milhões de pessoas nascidas fora dos Estados Unidos.
“O que se tornou diferente e interrompeu o fluxo regular de migrantes para a Califórnia foi primeiro a presidência de Trump e depois a pandemia, agravada pelas políticas de Trump”, afirmou Cabrera. “Isso incluiu uma enorme acumulação de indivíduos em busca de asilo que ficaram à espera no México durante meses ou anos”.
Também o agravamento da situação geopolítica na América do Sul, que endureceu as condições em países como a Venezuela, Equador e Colômbia, tornou a situação pior. Há agora muitos mais venezuelanos a chegar, mas não encontram as mesmas redes de apoio que comunidades como a mexicana, com maior tradição de emigração para a Califórnia, já estabeleceram.
Neste momento, estima-se que cheguem à Califórnia cerca de 1.000 migrantes por dia e entre 1.000 e 1.600 por semana a Los Angeles. Cabrera refere que isto inclui um aumento recente de pessoas vindas da Ucrânia, Rússia e outras zonas de conflito.
“A diferença a partir do ano passado foi a linha de políticas anti-imigração dos governadores da Florida e do Texas, que começaram um programa de envio de migrantes por autocarro e avião”, salientou Cabrera. “Isso provocou ainda mais disrupção e politizou a situação”.
Numa cidade com grande escassez de habitação acessível e a maior população sem-abrigo do país, várias organizações juntaram-se para lidar com o aumento do fluxo de migrantes. Criaram o L.A. Welcomes Collective, liderado pela CHIRLA, com o objetivo de prestar assistência imediata – desde refeições quentes e roupa lavada até uso de telefone e por vezes encaminhamento para alojamento temporário.
O gabinete da ‘mayor’ Karen Bass também oferece serviços, desde transporte e abrigo a apoio de saúde mental. Em setembro, depois da chegada de 16 autocarros com migrantes vindos do Texas, a governante evocou o plano desenvolvido no início do ano, juntando o governo local a uma coligação de organizações sem fins lucrativos, além de parceiros religiosos. Cada vez que chega um autocarro, esse plano é ativado.
“Penso que a coordenação que Los Angeles montou é um modelo para outras cidades”, considerou Jorge-Mario Cabrera. “E vamos continuar a colaborar”.
O L.A. Welcomes Collective integra, além da CHIRLA, a Arquidiocese de Los Angeles, o CLUE-LA (Clergy and Laity United for Economic Justice), o CARECEN (Central American Resource Center-Los Angeles), o Esperanza Immigrant Rights Project e o ImmDef (Immigrant Defenders Law Center).
As organizações têm pedido mais apoio, sobretudo do governo federal, e dependem de donativos e voluntariado. Ao nível de políticas, o que querem ver é uma reforma estrutural do sistema de imigração, com mais recursos para que os tribunais consigam despachar os processos em períodos de tempo razoáveis.
“Os pedidos de asilo são legais nos Estados Unidos”, frisou Jorge-Mario Cabrera. “Estas pessoas não são ilegais, como muitos lhe chamam, estão à procura de asilo”.
Em novembro, soube-se que a patrulha da fronteira sul estava a enviar migrantes para campos não oficiais em Jacumba, no deserto da Califórnia, a cerca de 120 quilómetros de San Diego. Uma reportagem da rádio NPR descobriu tendas improvisadas e sanitários portáteis com migrantes vindos de sítios tão distintos como Turquia, Curdistão e Honduras.
“Penso que a Europa tem sido mais acolhedora e inteligente na integração de migrantes que os Estados Unidos”, apontou Cabrera. “Os EUA fariam bem em olhar para outros modelos, em vez de andarem obcecados com fechar a fronteira”, continuou. “Isso nunca foi solução. Trump sabe disso, e os que pensam como ele também”.