‘Love What Survives’, de Mount Kimbie: onde o sentir é permitido
“Love What Survives” é uma espécie de pré-erupção conceptual daquilo que nos fica, não no exterior, mas na alma. Mount Kimbie está de volta mais uma vez, e vem acompanhados deste tão esperado álbum “Love What Survives”. A banda britânica é representada pela produtora musical Warp Records, desde 2012, com o qual também lançaram o seu segundo álbum de originais “Cold Spring Fault Less Youth” referente a 2013.
Este novo álbum conta com a participação de nomes também eles bem conhecidos, como King Krule, James Blake, Micachu, Andrea Balency, dando ao álbum um novo corredor de ar, uma nova frescura criativa que acrescenta algumas teias pictóricas nas músicas.
O ouvinte fez uma espera bastante longa, e esperou não se desiludir com o trabalho do duo Dominic Maker e Kai Campos, que são sempre tão elementares na forma como cuidam e criam a sua música. A faixa introdutória tem o nome de “Four Years and One Day”. A primeira característica que salta ‘à vista’ são as batidas da bateria, tão célebres nas músicas da banda, que funcionam quase como uma assinatura. Recorrem à utilização de ‘Motorik’, um termo que surgiu na Alemanha para se referir às batidas em tempo 4/4, utilizada pelas bandas de Krautrock nos anos 60/70, como Faust, Kraftwerk, Neu!, e, mais tarde, por outros músicos, como David Bowie, Midge Ure, e, mais recentemente, por The Strokes, Stereolab, LCD Soundsystem.
Neste terceiro álbum da banda, o motorik, continua a ser utilizado, e serve sempre como forma de inspiração para a criação de novas significâncias nas músicas. Esta faixa em particular conta com um tom melodramático, que vai crescendo conforme se começam a acumular segundos de música. Somos invadidos, imediatamente, pelos duplos ritmos, que nos chegam da guitarra, do baixo e da bateria, e, entre todas estas melodias, chegam os sintetizadores, que suavemente ditam uma pulsação minuciosa mas primordial. São os pequenos detalhes que nos convencem. Mount Kimbie tem esta particularidade, faz questão de cuidar dos pequenos detalhes, e estes trazem-nos novas formas de ouvir, despertando a curiosidade que não se encontra mais embalada pelos seus sons familiares.
A segunda faixa “Blue Train Lines”, é aquela que conta com a participação de King Krule, e começa também com uma batida e com um zumbido electrónico. De seguida, passamos a ouvir a voz de Krule, que desperta e assenta um ritmo preciso, sincronizando com as batidas inspiradas em Krautrock. Trata-se de uma música bastante contagiante, cheia de gritos de desespero, que nos ficam marcados, para além uma bela amostra da junção da emotividade com a crueza do ser; tudo isto numa só harmonia. “Marilyn” é a musica que conta com Micachu, e tem um ritmo acelerado marcante. Este é um dos pontos positivos do álbum, por ter contornos que marcam o ouvido, profundidades que sobressaem, e texturas notáveis. Mais uma música que brilha, que é luminosa, e que consegue ficar em toda a parte. “You Look Certain (I’m Not So Sure)“, com a cantora parisiense Andrea Balency, traz consigo um aroma arejado, aéreo e bem charmoso.
Reunidos com James Blake, produzem uma música intitulada “We Go Home Together”, bastante relaxada e, ao mesmo tempo, fascinante. Traça linhas de nostalgia e esperança que sobressaem com ritmos repetidos, como o som do órgão de igreja ao fundo, o instrumento de percussão, juntamente com o som repetido de um riso irónico, e que criam uma visão desorientada, similar à letra da música. A voz de James transforma tudo em plena harmonia, tudo encaixa de forma perfeita, e tudo acaba com nuances emotivas de um sonho incondicional.
A segunda faixa que conta com a participação de James Blake, ”How We Got By”, é a ultima música do álbum, e não podia ter sido melhor escolhida, nada mais delicado e afectuoso. Começa com o suave som do piano conjugado com a voz de James, quando ouvimos a sua voz, parecendo que o ar retorna de novo aos pulmões. Aquela sensação de suspensão do sentir acumula-se até existir um som libertador, uma música que parece ter a quantidade certa de sensações. Suspira-se, entende-se a hesitação das notas do piano, a voz entra em simbiose com a harmonia, e o som do baixo mostra-se sóbrio mas discreto, pronto para ditar um conteúdo minimal, decrescente, e admirável.
Este álbum traz, consigo, um som quente, familiar, bastante confortável, que facilmente integra o nosso dia-a-dia. O som dos sintetizadores e de alguns outros instrumentos traz de volta as texturas sonoras necessárias para o despertar das emoções, tão importantes como o amor. As melodias sonhadoras seguem-nos, e abrem caminho para um mundo de belas paisagens sonoras, vibrantes, coloridas e esperançosas. Mount Kimbie são distintos pelas suas raízes, que começaram no dubstep, e que rapidamente avançaram para o pós-dubstep, introduzindo novos ritmos, batidas, drips. Estes sempre apresentaram trabalhos em que a sua frescura e jovialidade sobressaísse, sendo uma espécie de efervescência de uma electrónica ritmada com pequenos toques de rebeldia pós-punk, e com um ritmo inato que contagia todos que os ouvem.