Love Will Tear Us Apart

por Manuel Neves,    18 Maio, 2025
Love Will Tear Us Apart
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Há 45 anos, com apenas 23 anos, despediu-se do mundo uma das grandes promessas da música mundial: Ian Curtis, vocalista dos Joy Division.

Ian tornou-se um símbolo de uma geração marcada pela angústia e pelo inconformismo. Hoje em dia, é comum vermos pessoas a usar t-shirts com a icónica capa de Unknown Pleasures, mesmo que muitos talvez não conheçam a profundidade da alma que cantava por detrás daqueles traços brancos: Ian Curtis.

Nascido em 1956, em Stretford, Inglaterra, Ian revelou desde cedo um interesse particular pela literatura, filosofia e, sobretudo, poesia — influências que viriam a marcar não só a sua escrita, mas também a atmosfera densa e melancólica que envolvia o som da sua banda. Músicas como “Disorder”, “She’s Lost Control” e “Love Will Tear Us Apart” nunca foram apenas canções, são gritos de ajuda camuflados de arte.

Com apenas dois álbuns lançados (Unknown Pleasures, em 1979, e Closer, em 1980), a banda redefiniu o pós-punk e abriu caminho para um novo som: mais introspectivo, sombrio e emocionalmente cru.

Por trás da sombra estava a figura franzina de Ian Curtis. O cantor, que muito jovem foi diagnosticado com epilepsia, lutava contra crises frequentes, além de uma depressão crescente. No dia 18 de Maio de 1980, na véspera da primeira digressão da banda aos Estados Unidos, Ian pôs termo à própria vida em casa.

Com a morte de Ian, os Joy Division chegaram ao fim. Mas os seus membros — Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris — decidiram continuar sob outro nome: New Order. Respeitando sempre o legado dos Joy Division, enveredaram por uma nova abordagem, mais electrónica. Mais tarde, os New Order alcançaram sucesso mundial, sem nunca deixar de cantar músicas dos Joy Division. Ainda assim, a sombra de Ian Curtis permanece — como um fantasma gentil e trágico que sussurra nos êxitos Blue Monday ou Bizarre Love Triangle.

Curtis não viveu o suficiente para ver o impacto que causou. Em muito pouco tempo, fez imenso. Deixou um marco que atravessa gerações e se manifesta não apenas em discos, mas também em t-shirts, documentários e, sobretudo, no coração de quem encontra consolo nas suas letras.

Apesar de separados por séculos, culturas e línguas, lembrei-me de Antero de Quental. Curtis e Antero partilham um sentimento profundo: o de artistas cuja sensibilidade os tornou incapazes de se adaptarem plenamente à vida.

São como espelhos partidos da alma moderna, reflexos de um tempo em que o ruído do mundo abafava os silêncios da alma.

A melancolia que habitava em Antero de Quental e em Ian Curtis não era um mero artifício estético; era uma condição existencial, que marcou as suas vidas e a sua arte. Ambos foram vítimas de um sofrimento mental que os consumiu lentamente, ainda que, à sua maneira, cada um tenha transformado essa dor em expressão artística. Antero, mergulhado em crises existenciais e períodos de desespero, encontrou na poesia um refúgio e uma forma de exprimir a angústia. Ian, por sua vez, enfrentava a epilepsia e a depressão enquanto escrevia letras que expunham os seus conflitos interiores.

As palavras que deixaram revelam a busca por um ideal inalcançável, por algo que transcendesse a matéria e justificasse o sofrimento. Quando Ian canta “Love will tear us apart”, lembro-me de Antero, a apontar para a fratura entre o que se deseja e o que o mundo oferece. Antero exprime esse mesmo desalento: a procura comovente por uma visão poética que o mundo real insiste em negar. Ambos criaram a partir do vazio, das ausências, das falhas, tentando com a arte, preencher uma lacuna que nem mesmo a beleza conseguiu curar.

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