Luto

por Cláudia Lucas Chéu,    14 Julho, 2024
Luto
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Há um tempo socialmente aceitável para se fazer o luto. Depois disso, poucos querem saber. A maior parte pensa que estás maluquinha ou que és fraquinha por não saberes dar a volta. Passas a ser um diminutivo.

«A vida continua». Continua, claro, menos para a pessoa que morreu. Nalguns casos, nem um mês passou desde que perdeste alguém importante e perdes também o emprego. Ninguém te pergunta sequer se podes ficar sem esse salário; falhas três vezes, substituem-te e pronto. Dão-te uma palmadinha nas costas e desejam as melhoras como se estivesses doente. «É para o teu bem, precisas de tempo».

Olham para ti como uma débil, que não se está a aguentar, sopram um ar de pena e proferem disparates semelhantes aos que se dizem às pessoas com depressão: «Tens de apanhar ar fresco, pensar nas coisas boas, seguir em frente». Como se a pessoa que atravessa o deserto não soubesse que devia fazer isso, como se a pessoa que procura um oásis escolhesse morrer à sede. Penso na palavra «luto», como se já indicasse que vai ser tramado, que vai dar luta.

Poucas vezes dei parte de fraca na vida, mantive-me quase sempre à tona perante as adversidades. Mas há momentos em que é preciso aceitar a derrota. No luto acontece assim porque é algo que não se pode resolver. É uma derrota que vamos ter de aceitar. Perdemos e pronto. Vamos ter de aceitar, vamos ter de aceitar. Para pessoas habituadas à luta, é difícil. Esperneias de noite entre memórias e sonhos frustrados sobre o futuro. Pedes ajuda a algum deus em que nunca acreditaste e que agora te podia estender um mindinho invisível a que te pudesses agarrar.

Nestes momentos também há uma perda de pessoas vivas. As que são nossas amigas aturam as neuras, dão afeto e ficam ali, mesmo sem nada que valha a pena dizer. As que não são dignas de nós, da nossa tristeza e alegria, desaparecem. É uma revelação que magoa, mas que é bastante elucidativa.

Numa sociedade virada para a alegria postiça e que não nos prepara para a morte, há um tempo restrito para o luto, um tempo socialmente aceitável. Estou a aprender que esta luta não é definida por um calendário, que serei sempre vencida, que o luto só termina quando aceitar a derrota.  

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