Lux Film Prize: por um cinema europeu independente como forma de diálogo
Na promoção do “respeito pela diversidade das culturas e tradições dos povos da Europa, bem como da identidade nacional dos Estados-Membros”, conforme descrito na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, o Parlamento Europeu atribuiu esta semana em Estrasburgo, e pela 12.ª vez, o Lux Film Prize. Mais do que um prémio de cinema, e o único no mundo atribuído por um parlamento, o Lux Film Prize pretende distinguir o cinema europeu que, nas palavras de Klára Dobrev, “seja independente e levante questões”. Na conferência de imprensa na qual estivemos presentes, a vice-presidente do Parlamento Europeu (PE) destacou ser necessário que os cidadãos europeus percebam que o PE é mais do que meras decisões burocráticas e que exista a absoluta certeza de que os decisores políticos sabem que “por trás das folhas de excel, todas as decisões afectam as pessoas”. Para Dobrev, os políticos e os realizadores têm muito em comum, pela capacidade de mudar o mundo, tanto pelas medidas políticas como pela visão transmitida pelo cinema.
Com um aglomerado de 28 culturas, com as respectivas liberdades, hábitos e tradições, a premissa do PE é respeitar a identidade europeia com todas as idiossincrasias que a sua diversidade lhe traz.
Os três filmes finalistas deste ano foram God Exists, her name is Petrunya, realizado por Teona Strugar Mitevska numa co-produção da Macedónia do Norte, Bélgica, Eslovénia, França e Croácia; The Realm (El Reino) realizado por Rodrigo Sorogoyen, de Espanha; Cold Case Hammarskjöld, realizado por Mads Brüger, numa co-produção da Dinamarca, Noruega, Suécia e Bélgica.
God Exists, her name is Petrunya, realizado por Teona Strugar Mitevska, foi o filme que conquistou o 1.º lugar nas votações dos deputados do PE. Para a realizadora, o Lux Film Prize é o início da resolução de um problema que se prende com a falta de distribuição de cinema europeu, já que as salas de cinema na Europa privilegiam os filmes norte-americanos, à boleia de uma maior campanha de marketing que afastam espectadores dos filmes europeus.
Rodado na Macedónia do Norte, God Exists, her name is Petrunya retrata o périplo de uma jovem mulher que, aprisionada por tradições seculares, é perseguida depois de ter apanhado uma cruz num ritual religioso. O que à partida parece banal, o facto de a referida cruz só poder ser apanhada por homens faz sobressair uma sociedade patriarcal, a pressão das ordens religiosas até na autoridade e o machismo latente na sociedade e contexto familiar. Para Mitevska, “o cinema pode e deve ser uma arma” para o despertar para uma série de problemáticas que de tão enraizadas na sociedade até as consideramos “normais”, mesmo que restrinjam a liberdade individual por questões relacionadas com o sexo, educação ou credo. Para a realizadora, o cinema não pode ser “meramente romântico e deve ser realista, agora mais do que nunca.”
The Realm, o segundo classificado, do realizador Rodrigo Sorogoyen, é um thriller político que denuncia a corrupção que corrói os valores democráticos e que se baseia na aparente normalidade com que homens e mulheres consideram normais determinados comportamentos corruptos. O filme retrata políticos corruptos com uma distinção clara entre dois níveis de poder, local e nacional. Embora exista a sensação de que a corrupção local está mais disseminada e é, inclusivamente, mais normalizada, e que o poder nacional elimina estes tipos de corrupção de menor dimensão, The Realm faz evidenciar que não e que o que difere é meramente a escala. O produtor Gerardo Herrero disse que em Espanha se debate exactamente com o mesmo problema de financiamento e de distribuição, com o Estado espanhol a financiar 30% do valor necessário, o que afecta, e de certa forma limita, a produção audiovisual.
Com dois filmes com claras dificuldades de financiamento, fomos algo surpreendidos com o facto de o 3.º classificado, Cold Case Hammarskjöld, realizado por Mads Brüger, se ter deparado exactamente com o mesmo problema, com a informação de que o Estado dinamarquês está a realizar cortes no financiamento às artes. Cold Case Hammarskjöld, do jornalista e realizador Mads Brüger, revisita o caso da morte do secretário-geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjöld, que morreu sob circunstâncias suspeitas.
Na mesma conferência de imprensa tivemos Oleg Sentsov, um realizador ucraniano condenado a 20 anos de prisão pela Rússia por oposição à anexação da Crimeia. Embora não estivesse no âmbito do Lux Film Prize, Sentsov foi a Estrasburgo receber presencialmente o prémio Sakharov que lhe foi atribuído a 25 de Outubro de 2018. Preso em 2014, Sentsov foi libertado a 7 de Setembro de 2019, tendo durante o ano passado feito uma greve de fome de 145 dias. A sua detenção despertou as atenções de muitas entidades de observação, alertando para os abusos de poder perpetrados pelo regime de Moscovo. Embora realizador, Sentsov rejeita o cinema como arma política, dizendo que “política é uma coisa, cinema é outra”. Ainda que não se candidate, provavelmente, a um cargo político, Sentsov continuará a ser activista pelos direitos humanos e irá publicar no próximo ano as notas que escreveu na prisão, sem qualquer edição ou interferência, para denunciar o atropelo aos direitos humanos que ocorre diariamente nas prisões russas.
O Parlamento pretende assim, e reforçando as palavras de Klára Dobrev, “tornar o mundo um local melhor” através das mais diversificadas formas de expressão, para alertar para as injustiças e desigualdades e para união deste “melting pot” que é a Comunidade Europeia.
O filme vencedor do LUX Film Prize estará em exibição no Cinema Trindade no dia 6 de Dezembro.
A Comunidade Cultura e Arte viajou para Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu.