Lynn Margulis: a bióloga que revolucionou o conceito de evolução com a Teoria da Endossimbiose

por José Malta,    5 Março, 2025
Lynn Margulis: a bióloga que revolucionou o conceito de evolução com a Teoria da Endossimbiose
Lynn Margulis / DR

É impossível não se encontrar na lista das maiores referências na investigação e no progresso da Biologia e da Genética do século XX o nome de Lynn Margulis. Bióloga de formação, reformulou a compreensão das origens da vida com a Teoria da Endossimbiose. Esta teoria propunha que as mitocôndrias e os cloroplastos, organelos presentes nas células eucarióticas que constituem os animais, as plantas e outros tantos seres que conhecemos, tiveram origem em antigas bactérias simbióticas. Apesar de todo o ceptcismo e críticas em torno das suas ideias, estas foram mais tarde confirmadas por evidências científicas comprovadas, sendo hoje pilares da Biologia moderna. Ao longo da sua carreira, Lynn Margulis desafiou as perspetivas Darwinianas tradicionais, dando ênfase ao papel da simbiose na constituição das células que hoje conhecemos, revolucionando aquele que era o conceito de evolução tanto na Biologia como na Genética.

Nascida a 5 de Março de 1938, com o nome Lynn Petra Alexander, foi filha de um casal de judeus e a mais velha de quatro irmãos. Aos 14 anos, foi aceite no prestigiado programa de admissão antecipada da Universidade de Chicago. Prosseguiu com os estudos na Universidade de Wisconsin-Madison, onde obteve um mestrado em Genética e Zoologia em 1960. É durante este período que conhece e se casa com o astrofísico e divulgador de ciência Carl Sagan. O casal teve dois filhos, Jeremy e Dorian, e acabaram por se separar em 1964, um ano antes de Lynn Margulis ter concluindo o seu doutoramento em Genética na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em 1965, mudando-se para Boston no ano seguinte, em 1966. Lynn Margulis adoptou o seu apelido pelo o qual foi maioritariamente associada quando se casou com o cristalógrafo Thomas N. Margulis em 1967, com quem teria também dois filhos, Zachary e Jennifer, e se separaria em 1980. Tornar-se-ia mais tarde Professora de Botânica na Universidade de Massachusetts Amherst, em 1988.

Lynn Margulis / Fotografia via wikimedia commons

O seu percurso académico foi profundamente marcado curiosidade sobre a Evolução e sobre Biologia Celular, acabando por conduzir a uma das teorias mais importantes da Biologia Evolutiva. No final da década de 1960, Margulis desenvolveu a Teoria da Endossimbiose (ou Endossimbiótica). A teoria propunha que as células eucarióticas (células com núcleo) evoluíram através de relações simbióticas entre as células procarióticas primitivas (células sem núcleo, como as bactérias). A teoria teria sido iniciada de uma forma ainda um pouco primitiva, no início do século XX, por Konstantin Mereschkowsky que propôs que os plastídios, como os cloroplastos, eram descendentes de cianobactérias. Lynn Margulis propôs que as mitocôndrias e os cloroplastos tinham sido bactérias livres que foram fagocitadas por células maiores, acabando por gerar assim estruturas celulares permanentes. Para Lynn Margulis estes corpos assemelhavam-se a bactérias, o que era um argumento válido para sustentar tal teoria. Ao fim e ao cabo, as mitocôndrias tratam-se de corpos retorcidos responsáveis por gerar a energia requerida para o metabolismo das células, e anteriormente seriam corpos independentes.

“Lynn Margulis envolveu-se em algumas controvérsias, nomeadamente em relação a aspectos da Evolução Darwiniana, ao menosprezar a importância da mutação aleatória e, mais tarde, disse que não haveria evidências claras de que o HIV/SIDA fosse um vírus infeccioso, algo que afastaria alguns dos seus colegas com que trabalhara.”

Esta ideia desafiou o modelo neodarwiniano tradicional, que se centrava principalmente na mutação e na selecção natural como principais motores da evolução. Apesar do cariz revolucionário, esta hipótese foi rejeitada por diversas revistas científicas. O célebre artigo On the Origin of Mitosing Cells” só fora aceite em 1967 na revista Journal of Theoretical Biology, e publicado ainda com o nome adquirido no primeiro casamento: Lynn Sagan. Com o tempo, os avanços na Biologia Molecular e da Genética iam pondo em evidência a validade da teoria, que fora ganhando argumentos ano após ano graças a factos e dados comprovados. Um dos pressupostos era o facto das mitocôndrias terem o seu próprio DNA, o chamado DNA micotocrondial (mtDNA) separado do DNA que está no núcleo das células (nDNA). Lynn Margulis prosseguiu com a sua investigação, encontrando outros pressupostos que fundamentavam a sua teoria como o facto dos ribossomas das bactérias, organelos responsáveis pela síntese de proteínas, serem semelhantes aos dos cloroplastos e das mitocôndrias. Nos anos 90 e 2000, cientistas descobriram que a sequências do DNA das mitocôndrias e dos cloroplastos, eram semelhantes aos das bactérias e das cianobactérias, algo que viria a sustentar ainda mais a Teoria da Endossimbiose.

Fotografia de Javier Pedreira / via Wikipédia

Outro trabalho notório em colaboração com o biólogo James Lovelock, foi na Hipótese de Gaia, uma teoria que propõe que a Terra actua como um sistema autorregulador que mantém condições adequadas à vida. Enquanto Lovelock interpretou a teoria como uma espécie de sistema de ciclos de feedback à escala planetária, Margulis contribuiu com o seu profundo conhecimento de microbiologia, dando ênfase ao papel da vida microbiana na regulação da atmosfera e do clima no nosso planeta. Embora a Hipótese de Gaia continue a ser um tema de debate, esta teve uma forte influência na biologia e na ecologia, ao interpretar que a própria Terra fosse também um sistema vivo no seu todo. A teoria inspirou-se no termo grego Gaia (Géia), nome dado na mitologia à Deusa da Terra que simboliza a origem do mundo e do cosmos. A teoria tem sido aceite pela comunidade científica até certo ponto, pois esta não pode ser levada ao extremo ao considerar que a Terra é um organismo vivo no seu todo. Contudo, podemos encarar o nosso planeta como um organismo dependente dos processos biológicos que nela existem.

Lynn Margulis nunca teve medo de desafiar o sistema e as suas ideias encontravam frequentemente uma forte resistência por parte da comunidade científica. Ainda que alguns achassem que por ser mulher merecesse menos credibilidade do que cientistas homens, foi sempre conhecida pelo seu espírito crítico apurado, ousadia e disposição para debater teorias e conceitos com diferentes cientistas. Ainda assim, Lynn Margulis envolveu-se em algumas controvérsias, nomeadamente em relação a aspectos da Evolução Darwiniana, ao menosprezar a importância da mutação aleatória e, mais tarde, disse que não haveria evidências claras de que o HIV/SIDA fosse um vírus infeccioso, algo que afastaria alguns dos seus colegas com que trabalhara. No entanto, estas controvérsias não diminuíram os seus contributos científicos, que continuam a ser fundamentais para a Biologia Evolutiva moderna e para a Genética. Acabou por desempenhar também um importante papel na defesa do modelo dos cinco reinos proposto por Robert Whittaker em 1969, que incluiria o Fungi para além do Monera, Protista, Plantae e Animalia, e que se encontra actualmente em vigor.

O trabalho de Lynn Margulis valeu-lhe inúmeros prémios de grande renome científico, com destaque para o The National Medal of Science em 1999, e para o The Darwin-Wallace Medal em 2008. Viria a falecer a 22 de Novembro de 2011, aos 73 anos, na sua casa em Massachusetts, poucos dias após ter sofrido um ataque vascular cerebral. O seu legado permanecerá sempre e continuará a inspirar biólogos e geneticistas que investigam na sua área e um exemplo para mulheres cientistas que prosseguem na sua actividade de investigação, seja a área que for.  Em 2017 foi lançado o ilustre documentário Symbiotic Earth, que explora a vida e as ideias de Lynn Margulis, uma cientista brilhante, cujas teorias não convencionais desafiaram a comunidade científica, maioritariamente composta por elementos do sexo masculino. Sendo que a ciência é uma obra feita por audazes e destemidos, esta não incluiu só homens, mas também muitas mulheres que lutaram contra um sistema que menosprezava o seu contributo. E Lynn Margulis é, para além de um símbolo da Biologia Evolutiva e da Genética, também um símbolo representativo do importante papel que muitas mulheres desempenham e que continuam a contribuir para o avanço da ciência à escala mundial.

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