Major Alvega. As duas vidas de um herói nacionalizado à força

por J.B. Martins,    3 Dezembro, 2020
Major Alvega. As duas vidas de um herói nacionalizado à força
A série Major Alvega, estreada em 1998, representou uma inovação criativa e tecnológica sem precedentes na história de televisão portuguesa
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Em novembro de 1961, foi publicada na revista de banda-desenhada O Falcão a primeira aventura do major piloto-aviador Jaime Eduardo de Cook e Alvega, um luso-britânico filho de pai ribatejano e mãe inglesa ao serviço da Royal Air Force.

O Major Alvega, como ficaria para sempre conhecido, não era o único herói publicado regularmente na revista mas o seu sucesso foi tão grande que se tornou na imagem de marca da publicação e viria mesmo a chegar ao pequeno ecrã.

O que poucos sabiam naquela altura (incluindo o autor da futura adaptação televisiva) era que aquele Major Alvega não tinha qualquer relação com Portugal, não se chamava Alvega e nem sequer era Major.

Quem é então o Major Alvega?

Neste vídeo vamos conhecer as duas vidas da personagem que conquistou a imaginação de várias gerações de portugueses fãs de banda-desenhada.

Nos anos 50 em Portugal, o acesso a histórias de banda desenhada estrangeiras era muito limitado e fazia-se quase exclusivamente a partir de revistas como “O Falcão”, que juntamente com a Mundo de Aventuras, era a publicação do género mais popular em Portugal.

A revista O Falcão nasceu em 1958 com um formato bastante diferente daquele pelo qual viria a ficar conhecida. Começou por ser uma publicação em grande formato com várias rubricas ilustradas e pequenas histórias em banda-desenhada que continuavam de edição para edição, mas a partir da segunda série, em 1960, a revista adoptou o formato de bolso e começou a publicar uma aventura completa de um herói diferente em cada edição.

Essas aventuras eram traduções de histórias de autores estrangeiros, publicadas geralmente em revistas internacionais do género, só que tinham uma característica muito própria: não havia, nas páginas d’o Falcão, qualquer referência aos criadores originais.

Em 1961 apareceu então, pela primeira vez na revista um tal de Major Alvega, um herói luso britânico da segunda guerra mundial que capturou imediatamente a imaginação de todos os que se interessavam por banda-desenhada em Portugal. A questão é que, na verdade, esta aventura não era mais do que uma adaptação da história publicada no número 353 da revista britânica Thriller Picture Library, protagonizada pelo tenente coronel Battler Britton (Beteler Britton), uma criação de Mike Butterworth (Baderuorth) e Geoff Campion, que apareceu pela primeira vez nas páginas da revista Sun, cinco anos antes, em 1956, e que nada tinha a ver com Portugal.

Apesar de, para todos os efeitos, os responsáveis pela tradução terem sido o diretor d’O Falcão Mário do Rosário e o tradutor Anthímio de Azevedo, esta nacionalização forçada teve a mão da censura do Estado Novo, que incentivava as editoras a optar por obras que espelhassem os feitos dos heróis portugueses e que levou a que muitos heróis internacionais fossem rebatizados, como aconteceu por exemplo com Michel Vaillant, que apareceu em Portugal com o nome de Miguel Gusmão e Rip Kirby, que ficou conhecido por cá como Rúben Quirino.

O então nacionalizado Major Alvega foi um sucesso estrondoso que conquistou os leitores de banda desenhada durante décadas. A última aparição de Alvega nas páginas d’O Falcão aconteceu a 1 de abril de 1987, na edição 1285, uma semana antes do capítulo definitivo da revista.

Mas o melhor do Major Alvega ainda estaria para vir.

No início dos anos 90, o autor e realizador Henrique Oliveira teve a ideia de trazer para a televisão um dos seus heróis de infância, num projeto que iria mais uma vez buscar inspiração à sua paixão por banda-desenhada (o seu projeto anterior tinha sido a série noir portuguesa Claxon, onde já se tinha inspirado parcialmente no género).

A ideia do autor, presente desde o início, era misturar personagens de carne e osso com cenários de animação virtuais, uma tarefa que se veio a revelar mais complicada do que o inicialmente previsto e que obrigou a que a pós-produção ficasse num hiato forçado à espera que existisse a tecnologia capaz de cumprir a visão.

Quando iniciou os contactos para adquirir os direitos de adaptação das histórias de banda desenhada, o autor descobriu que o Major Alvega era na verdade o Battler Britton e que a versão portuguesa da personagem nunca tinha sido registada.

Como a ideia era criar histórias totalmente originais com personagens inéditas, a produtora por detrás da adaptação registou a marca Major Alvega e deu assim um nova vida à personagem, já definitivamente afastada das suas origens como Battler Britton.

A série acabaria por estrear em 1998, quase 6 anos depois de ter iniciado a produção.
Depois de duas temporadas, o Major Alvega entrou definitivamente na história da televisão portuguesa e chegou mesmo a fazer alguns voos internacionais e a ser transmitido em diversos países, onde ficaria conhecido como Ace London.

Numa altura em que a indústria, um pouco por todo o mundo, está a remexer nos baús do passado à procura de sucessos para o futuro, Henrique Oliveira não descarta a possibilidade do nosso Major, há mais de duas décadas na reserva, voltar ao ativo num eventual Major Alvega: O Filme e assim conquistar mais uma geração de fãs nacionais.

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