Manifesto contra as maiorias absolutas
O país prepara-se para mais umas eleições legislativas. A campanha eleitoral estará na rua nos próximos dias, os debates têm tido a duração de 30 minutos (um quarto do tempo dos debates sobre futebol nos mesmos canais) e cada um dos partidos faz o possível para passar uma mensagem que, na generalidade, é pobre e repetitiva.
Multiplicam-se os sinais de que o Partido Socialista pode mesmo conquistar a maioria absoluta. Uma hipótese que a concretizar-se não seria boa para a democracia em que acredito e defendo. Por algumas ordens de razões.
A democracia é feita de pluralidade de opiniões e de diversidade de pontos de vista. Quantos mais pontos de vista forem introduzidos numa dinâmica de poder executivo melhor será para o país e mais pontos de vistas estarão representados. Estabelecer compromissos para governar obriga a um princípio de humildade que traz dificuldade, mas oferece oportunidades e afasta tentações de poder absoluto. Uma tentação que é inevitável em todas as formas de poder absoluto.
As maiorias absolutas promovem a arrogância. A autocracia. A corrupção moral e material. O desrespeito pela oposição. O controle absoluto. A falta de criatividade. A secura de pensamento.
As maiorias absolutas em Portugal, como muito bem afirmou António Costa, não deixaram boas recordações. Ofereceram-nos o cavaquismo que conseguiu ser pior do que o próprio Cavaco Silva, detestável figura com quem fui obrigado a crescer. Que potenciou um país cinzento e salazarento. Quem não se lembra dos últimos anos de cavaquismo? A falta de democracia, a profunda arrogância, o poder de figuras como Dias Loureiro, Duarte Lima, Arlindo de Carvalho ou o bafio de casos como o do BPN, do bloqueio na Ponte 25 de Abril ou dos juízos morais e censura a José Saramago. Quem não se lembra?
E quem não se lembra de José Sócrates? Da progressiva “loucura” com que encarou a responsabilidade da maioria absoluta. Das pessoas que promoveu. Da tentativa de controle do sistema financeiro. Da ligação com figuras como Ricardo Salgado. Dos resgates financeiros, do destempero com a comunicação social e de um repugnante “quero, posso e mando”. Um poder socrático que potenciou figuras como Manuel Pinho ou Armando Vara.
Acho eu que António Costa é parecido a Cavaco Silva ou a José Sócrates? Não, na verdade não acho. O primeiro-ministro é um político à antiga. Gosta do confronto, vive confortável na habilidade com que promove consensos, é bem preparado e um democrata (que Cavaco e Sócrates, por motivos diferentes, não são). Porém, os perigos do poder são largos e ultrapassam a fé que temos nas pessoas. O poder é o que é. E não estou disposto a arriscar.
O manifesto contra a maioria absoluta não é um manifesto contra António Costa. É um manifesto a favor da democracia. A favor da ideia de que, depois das eleições, se deve abrir o espaço de diálogo para que o poder executivo seja partilhado ou negociado por forças diferentes. Afinal, estamos a caminho de uma democracia com meio século. Já temos idade para ter juízo.