Manifesto dos Bailarinos da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo
É com profunda tristeza, que nós, bailarinos da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo (CPBC), tomámos conhecimento da não atribuição de apoio à nossa Companhia.
A CPBC é agora uma companhia formada por uma geração de jovens bailarinos portugueses que, contra todas as adversidades escolheram trabalhar apaixonadamente, mesmo em condições financeiramente precárias, com o mestre Vasco Wellenkamp, a quem devemos o legado da dança contemporânea em Portugal.
Temos lutado e lutaremos sempre por permanecer no nosso país – independentemente da experiência profissional, seja no estrangeiro ou em Portugal – e por elevar a qualidade da nossa dança de forma respeitosa face àquilo que deve ser reconhecido na cultura de um país. Acreditamos, apesar das dificuldades que vale a pena continuar a trabalhar para enriquecer a nossa arte, fomentando aquilo que é do interesse do público, que tanto reconhecimento nos tem dado. Tal só é possível com uma Companhia que mantém um trabalho diário e contínuo, pois apenas assim podemos crescer técnica e artisticamente e manter a qualidade a que a CPBC e Wellenkamp sempre habituaram o seu público.
É com a maior honra e orgulho que integramos esta Companhia de qualidade maior, que dá continuidade a um acervo artístico de primeira linha desenvolvido durante os últimos 20 anos, tal como a continuidade da produção de novas criações, de novos projetos e novos talentos. É a isto que dedicamos as nossas vidas, foi a isto que dedicámos todo o investimento académico, e é para isto que com muito esforço empenhamos tudo, para tudo dar ao público, zelando pelo interesse cultural do país.
Relativamente aos concursos da DGArtes, fazemos nossas as palavras de Miguel Lobo Antunes, que no dia 21 de dezembro de 2017, no Jornal Público, partilhou “Apoio do Estado às Artes”, um artigo de opinião liminar, apontando todas as deficiências das regras do concurso que originaram a desestruturação e desencanto dos artistas. São essas as injustiças de que nós próprios nos sentimentos vítimas desde 2012.
Relembrando o que disse Miguel Lobo Antunes:
“(…) A lei que regula o apoio financeiro do Estado às artes estabelece fins e objetivos desse apoio formulados através de expressões para mim enigmáticas (…).”
“Para além de para mim ininteligíveis, revelam que o Estado entende que as artes que apoia devem prosseguir objetivos que são exteriores a elas, suas eventuais decorrências. Pretende orientar os sentidos da criação que por sua própria natureza deve ser deixada livre de outros propósitos que não sejam ela própria.”
“(…) o “plano estratégico”, tal como está previsto, é inútil, é impossível de ser feito (não há informação que o permita) e não vai existir nos termos em que a lei o prevê.”
Esta citação demonstra à evidência a injustiça que se queixam as estruturas atualmente elegíveis, mas sem apoio.
“Exige-se aos concorrentes, artistas que trabalham em estruturas frágeis, num diabólico formulário, informação transbordante, grande parte inútil, que lhes demanda um esforço excessivo e desnecessário. (…) Em suma, o regime é o contrário do que deveria ser, inutilmente complicado e obscuro.”
Com este modelo de concurso que evidencia uma complexidade extrema, Miguel Lobo Antunes diz que o “Estado convida à mentira.” Ao resistir a essa condição somos penalizados por não desenvolvermos tanto quanto nos exigem, fórmulas de trabalho que não coincidem com os objetivos fundamentais da nossa Companhia.
“Para que se apoiem, tanto quanto possível, os melhores projetos (sendo que aqui se entra inevitavelmente no domínio da subjetividade), o que é preciso é que os critérios de avaliação sejam poucos, simples, claros, e as pessoas que apreciem as candidaturas saibam da poda e tenham bom senso, sabedoria e sensibilidade.”
Queremos dançar em e por Portugal.
No dia 9 de outubro foi com enorme orgulho e entusiasmo que recebemos a declaração de interesse cultural, exarado pela Exmª Senhora Secretária de Estado da Cultura, Drª Ângela Ferreira. Infelizmente, esta alegria efémera, caindo por terra após tomarmos conhecimento do resultado da DGArtes que, apesar de nos considerar elegíveis, não nos concedeu o apoio para exercermos a nossa missão cultural com a veemência idealizada.
São estas as razões pelas quais achamos que os concursos devem ser totalmente reformulados, procurando que o estado imponha regras diferenciadas e justas de acordo com a singularidade de funcionamento de cada uma das estruturas, cujos objetivos são inevitavelmente diferentes entre si.
Sentimo-nos solidários com todos os artistas que estão a sentir o mesmo que nós.
Catarina Godinho
Íris Runa
Maria Mira
Rita Baptista
Rita Carpinteiro
Carlos Silva
Francisco Ferreira
Miguel Santos
Pedro Garcia
Ricardo Henriques