Manuel Cardoso: licença para esgotar
O comediante lisboeta estudou História e Ciências da Comunicação, mas não terminou nenhum dos cursos
Manuel Cardoso é um comediante, não licenciado, que saiu recentemente de casa dos pais. Começou por ganhar notoriedade através dos sketches do grupo humorístico Bumerangue. Atualmente tem um programa nas manhãs da Antena 3 – “Pão Para Malucos” – e faz parte da “gente que não sabe estar” que Ricardo Araújo Pereira escolheu para escrever consigo o seu novo programa semanal, na TVI.
Minutos antes de subir ao palco, algumas pessoas juntam-se no exterior do Teatro Tivoli BBVA, que não chegaria a encher. À primeira vista, um comediante de 24 anos não atrai público de gerações mais velhas, mas a verdade é que mesmo à nossa frente estão várias avós e alguns netos.
Por entre as pessoas que passam na Avenida da Liberdade ainda se ouve a frase “é um espetáculo de stand comedy”. É notório que o consumo de espetáculos de comédia em Portugal ainda não é recorrente, mas 2019 é o ano em que tudo muda. Nascem bares com noites de open mic (onde quem quiser pode tentar a sua sorte em palco) e nunca existiram tantos espetáculos a solo de comédia.
“Farsa”, o segundo solo de Manuel Cardoso, surge quase três anos depois da sua estreia, com “1994”, no Teatro do Bairro. Neste novo espetáculo, Manuel promete “dinamitar” o engodo que é a nossa vida nas redes sociais – mas sem se excluir da equação.
Apesar de tudo, dentro da sua geração, Manuel Cardoso deve ser dos comediantes menos ativos nas redes sociais. E, num país que nos últimos anos viu surgir muitos comediantes através da internet, também por falta de um circuito de bares que agora começa a aparecer, essa inatividade espelha-se num Tivoli meio cheio – algo que faz questão de assumir na primeira abordagem ao público.
Manuel Cardoso não atrai pela sua condição física (algo que assume sem preconceitos) nem por ser extrovertido – não é uma popstar. O que nos faz rir ali é o texto. “Farsa” é um espetáculo bastante sólido, que vai crescendo. Engloba material testado em bares como o Maxime ou o Ferroviário e pequenas partes mais experimentais, possivelmente numa onda de influência do humorista americano Bo Burnham, que se nota em vários comediantes portugueses. Combina humor de observação com storytelling, numa viagem que também é de autoconhecimento. No final do espetáculo, fica muito claro que estamos, de facto, perante uma farsa, mas também perante um dos comediantes da sua geração que melhor trabalham o texto.
“Farsa” tem datas agendadas para Coimbra, Aveiro e Porto, sendo expectável que haja mais algumas para o segundo semestre do ano. Não se sabe como vão estar as salas nessas datas. O público de Manuel Cardoso é mais específico do que o de outros humoristas e, sendo impossível determinar com precisão a sua demografia, sabe-se que o fenómeno Bumerangue foi especialmente notório na zona de Lisboa, tal como referiu no podcast “Humor À Primeira Vista”.
No dia 21 de fevereiro, quatro datas do novo espetáculo a solo de Bruno Nogueira, “Depois do Medo”, esgotaram em cerca de duas horas. Houve ainda uma quinta data a esgotar no mesmo dia em alguns minutos. Algo inédito na comédia em Portugal. Manuel Cardoso ainda está longe desse patamar. As salas cheias contam muito, mas não dizem tudo. O texto atesta a qualidade, e Manuel Cardoso tem muita.
Este artigo foi originalmente publicado em oitavacolina, e é da autoria de Gustavo Carvalho, tendo sido aqui reproduzido com a devida autorização.