Manuel Rocha Quartet: quando o jazz flui com facilidade
Escrevo esta crítica depois de um dos primeiros dias de sol primaveris do ano. Ainda sinto o sol a bater na minha face, horas depois de ter chegado a casa e me ter posto a ouvir o álbum de estreia do Manuel Rocha Quartet. Não sei se ainda sentir o sol e ouvir a música do grupo estão relacionados, mas certo é que o jazz pacífico que a caracteriza tem um certo bucolismo associado, sugerindo a paz do local de origem do projecto, a mui bela vila da Ericeira.
Ouça-se a belíssima “Caracol”, originalmente gravada para o álbum conjunto de MARO e Manuel Rocha e aqui convertida numa peça de lounge jazz que desliza para uma improvisação dançável e inegavelmente agradável. A sua letra, sem floreados, descreve-nos uma cena fácil de imaginar, doméstica e pacata, deixando que a simbiose de forma livre dos diferentes instrumentos logo nos leve para terrenos mais abstractos.
A acessibilidade da música que caracteriza Manuel Rocha Quartet não lhe retira nenhuma competência técnica. A guitarra de Manuel Rocha tem um timbre intemporal, conjurando a nostalgia e sofisticação de mestres como John Abercrombie ou, em momentos mais calmos, como a melancolicamente bela “Noite”, as texturas mais plácidas de Ralph Towner. E não é só o homem que dá nome ao quarteto que tem a oportunidade de brilhar. Em “Aquele Brilho Nos Teus Olhos”, a guitarra dá um passo atrás e deixa que o piano de João Ferreira, o contrabaixo de André Ferreira e a bateria de Maximiliano Llanos se cruzem numa experimentação em crescendo que espelha a cumplicidade entre os músicos. Entretanto, cria-se o groove ideal para ancorar a conclusão da bela melodia apresentada inicialmente.
Este é um álbum fácil de se gostar, pondo as coisas em termos simples, mesmo que algumas canções sejam mais fáceis de se gostar do que outras. A já referida “Caracol” destaca-se logo, assim como a sensual “Warrior”. Talvez seja porque são as únicas cantadas por Manuel (tirando um scatting aqui e ali, a acompanhar um instrumento com o timbre da voz). “Warrior” puxa do piano Rhodes, juntamente com uma guitarra sedosa e um ritmo lento bem seguro. Aqui, o contrabaixo mantém o toque jazz, mas o resto – principalmente a voz – lembra mais um soul sedutor, algo que poderia ser cantado pela diva Sade.
A canção que abre o disco, “Robert Jordan”, evoca a infância, ao nomear o autor de livros da série de fantasia “A Roda do Tempo” e algumas histórias de Conan, o bárbaro. O eco da guitarra transmite a ideia de revisitação de uma memória, juntamente com a voz leve e sem palavras que nos apazigua, para depois deixar o piano criar o seu próprio mundo de fantasia até ao final da faixa. Por detrás do instrumento, muito ao de leve, conseguimos ouvir um scatting meio jocoso que traz uma aura mais brincalhona à faixa. Este tipo de brincadeiras estilísticas confere leveza a um género que por vezes peca por se levar demasiado a sério.
Manuel Rocha Quartet é um álbum que flui com facilidade. As sonoridades mais clássicas do jazz, aliadas ao desprendimento doce da pop e à sensibilidade soul, tornam-no numa excelente porta de entrada para quem sempre quis descobrir o fascinante mundo do jazz, mas talvez ficasse abismado pela quantidade de opções que há por aí. Guiados por este novo projecto português, a coisa torna-se mais fácil.