Marcel Jean, director do Festival de Cinema de Animação de Annecy, elogia “personalidade e singularidade” da cultura portuguesa
O diretor artístico do festival de cinema de animação de Annecy (França), Marcel Jean, elogiou a “personalidade e singularidade” da cultura portuguesa “num tempo em que se nota uma certa uniformização na produção cultural”.
Em entrevista à agência Lusa, Marcel Jean disse que este é “o momento” para ter Portugal como país convidado, sucedendo ao México em 2023, no mais importante festival de cinema de animação do mundo, que decorre até ao dia 15.
“Este ano Portugal é o resultado do que aconteceu no país desde o início do século”, disse, aludindo ao aparecimento de uma nova geração de estúdios e realizadores, mais oportunidades de coprodução internacional e algum reforço de financiamento público, por via do Instituto do Cinema e Audiovisual e do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, que permitiu, por exemplo, a produção de longas-metragens de animação.
Marcel Jean deu como exemplo a cooperativa BAP Animation, uma das produtoras com direito a uma retrospetiva este ano em Annecy, que tem na competição oficial a curta-metragem “Percebes”, de Laura Gonçalves e Alexandra Ramires, e que fará uma apresentação da longa-metragem “Una”, de David Doutel e Vasco Sá, no mercado do filme, para profissionais.
Outro exemplo é o da produtora Cola Animation, a casa onde foi feito “Ice Merchants”, o filme de João Gonzalez nomeado para os Óscares e “extremamente bem-sucedido em festivais”. Na mesma produtora, de Bruno Caetano, estão em produção várias obras, nomeadamente a curta “A dança dos fanchonos”, de Vier Nev, sobre amor queer em tempos de ditadura, que também será apresentada em Annecy.
Este festival de cinema de animação, fundado nos anos 1960, altera anualmente a dinâmica da cidade, à beira do lago Annecy e junto aos Alpes, já perto da fronteira com a Suíça.
Segundo contas da organização, há mais de 16.000 pessoas acreditadas para o festival, entre produtores, realizadores, programadores, estúdios de produção e estudantes, aos quais se junta o público que, com sorte, consiga um bilhete para as sempre lotadas sessões de cinema.
Annecy é escolhido por pequenos e grandes estúdios de animação para estrear novas obras e antecipar algumas das produções dos próximos meses. É um ambiente informal dentro e fora das salas de cinema e que propicia o contacto direto entre profissionais, por exemplo, à mesa de um restaurante; além do espaço promocional e de divulgação circunscrito no MIFA – o mercado internacional de filme de animação, que arranca na terça-feira.
“Ontem [domingo], no primeiro dia do festival, centenas de espetadores tiveram oportunidade de ver curtas portuguesas e cruzei-me com pessoas que descobriram o cinema português e ficaram emocionadas. (…) O facto de haver um foco na produção portuguesa significa uma oportunidade para conhecerem outras pessoas, iniciar colaborações com produtores e artistas de outros países”, sublinhou Marcel Jean.
Para o diretor artístico de Annecy, que é produtor e realizador e que já trabalhou com Regina Pessoa e Abi Feijó, “a arte de animação está baseada em talento e numa importante base cultural. A cultura portuguesa é muito importante, é incrível na música, na literatura, no teatro e no cinema”.
“Culturalmente, Portugal é um país muito importante, sobretudo num tempo em que se nota uma certa uniformização na produção cultural e nos produtos culturais, se assim posso dizer. Quando vemos o que vem de Portugal vemos muita personalidade, singularidade e isto é, do meu ponto de vista, o que devem preservar”, opinou.
O diretor artístico espera que Annecy proporcione oportunidades para o cinema de animação português, mas também considera que a tarefa “cabe a quem apoia os artistas”: “E espero que esse apoio continue a aumentar, porque os artistas provaram nos anos recentes que, com esse apoio, conseguem fazer coisas incríveis”.
Sobre as tendências do cinema de animação, Marcel Jean nomeia, por um lado, a evolução tecnológica e o desenvolvimento “incrível e rápido” de ferramentas de Inteligência Artificial, e, por outro, uma atenção maior também às técnicas mais tradicionais.
A Inteligência Artificial “vai influenciar as próximas produções, mas veremos que influência terá em artistas com o seu próprio universo e personalidade. É muito importante preservar uma certa arte nas obras. A evolução da tecnologia continuará a desempenhar um papel importante, mas também é verdade que as técnicas mais antigas continuem e sobrevivam”, sublinhou.