‘Masseduction’, de St. Vincent, é o abanão que a pop precisava
Há artistas que são muito mais do que aquilo que nos apresentam em álbum. David Bowie era um deles, assim como Prince. Além da sua inegável qualidade musical, estes artistas extrapolavam a sua criatividade através dos visuais, tanto a nível de roupa como maquilhagem, cores escolhidas para representar as suas diferentes fases, ou até mesmo discussões relevantes sobre diversos temas sociais. St. Vincent é uma dessas artistas.
Annie Clark nasceu num dos estados mais “fechados” a qualquer tipo de noção social que não seja a deles próprios, o Texas, mas desde cedo que teve uma noção bem clara de que para evoluir e desenvolver a sua própria personalidade, os seus desejos e o seu instinto, teria que sair desse local. Embora ainda lá regresse para visitar família, Annie Clark refere em várias entrevistas que não consegue conviver com aquele tipo de realidade retrograda por muito tempo. Annie Clark defende que as pessoas não devem ser rotuladas como masculinas ou femininas, sentindo desejo sexual e paixão por ambos os sexos de igual forma. A pansexualidade reflecte-se em pessoas que não se encaixam em géneros binários, em vez disso identificando-se como género misto.
Desde o seu álbum de estreia como St. Vincent, em 2007, que Annie Clark tem vindo a demarcar-se das restantes cantoras pop através da fusão de diferentes géneros, como o jazz, art rock e especialmente os seus dons particulares como guitarrista. De “Marry Me” passando por “Love this Giant” (álbum gravado em colaboração com David Byrne),
chegando até “St. Vincent” (20014), o génio de Annie Clark tem surpreendido e inovado dentro de um género completamente esgotado. A sua mistura de vários estilos musicais aliada à sua incrível capacidade de inventar os melhores solos da Pop possivelmente desde Prince, deram-lhe um estatuto mais elevado, consagrando-a como uma
artista diferente do habitual.
“Masseduction” chega três anos após o sucesso comercial do seu anterior álbum e desta vez a inovação também faz parte do conceito. Annie Clark está de coração partido devido ao fim da sua relação com a modelo e actriz Cara Delavigne e isso nota-se em várias canções ao longo do álbum. Não se pode dizer que haja uma sensação de depressão ou ambiente mais negro, mas as letras são menos fulgurantes, com menos esperança e as melódicas mais melancólicas, tornando o álbum num carrossel de emoções, sem nunca chegar a explodir.
A influência de Cara está tão presente que a própria modelo canta na música “Pills”, sob o pseudónimo de “Kid Monkey”.
O álbum começa de forma algo mística, com a belíssima “Hang On Me”, uma música sobre o fim de uma relação, acompanhada de uma bela melodia, quase como se fosse uma transposição de outro ambiente sonoro para este álbum. Annie quer claramente falar do que este final de relação significou para ela e de que forma é que se sente neste momento, olhando para o futuro a curto prazo.
“Pills”, um dos singles de avanço do álbum, é uma música desafiante, com uma estrutura invulgar para um single pop, o que só demonstra o génio da cantora. Infelizmente ficamos com a noção que esta música tinha mais espaço para a guitarra de Annie Clark, algo que nunca chega realmente a explodir. Musicalmente é uma música consistente, bom inicio mais mexido para o resto do álbum, mas que fica um pouco aquém do seu potencial.
Daqui para a frente entramos numa roda viva de emoções, com músicas mais eletrizantes, outras mais calmas, a simbolizar o final de uma tempestade. Annie Clark brinca com o ouvinte e deixa-o a flutuar no seu universo. Um bom exemplo disso é “Sugarboy”, onde aborda alguns temas sexuais e de género, assim como a fortíssima “Happy Birthday, Johnny”, sem dúvida uma das melhores músicas do álbum. Para trás fica a não menos boa “Los Ageless”, uma balada que transpõe para melodia o peso que uma pessoa pode ter na vida de alguém.
No fundo este álbum é um convite à sua vida pessoal. Essa vida que, sendo já figura pública, é mais do que conhecida. Annie Clark apenas nos faz sentir à vontade na quebra de vida intima assim que nos tornamos uma pessoa famosa. Convida-nos a entrar na sua mente, mente essa que já estava a nu.
“New York” é uma música pesada, cruel e dura, uma melodia com uma grande profundidade poética, novamente graças ao génio de Annie.
Daqui até ao final somos levados numa mistura dançante, menos positiva, mas nunca depressiva, talvez um estado pós-depressivo, criado através de uma longa reflexão sobre a vida e sobre os seus problemas. Ao contrário de “Wounded Rhymes” da cantora sueca “Lykke Li”, onde podemos sentir todo o seu caos, fúria e desilusão após o
final de uma relação, em “Masseduction” nunca sentimos que estamos enfiados na cama a chorar e sem esperança. Annie Clark seguiu em frente e mostra-nos isso claramente.
E é assim que termina o álbum com “Smoking Section”, um grito de afirmação à sua felicidade e com uma música que mistura novamente o melhor de vários mundos: Pop, jazz, alguma soul e muita, muita criatividade de St.Vincent.
“Masseduction” não é o álbum perfeito, mas está perto disso, pelo menos no universo Pop americano. A cada música que passa o álbum convida-nos à alegria, lembrando sempre que os problemas existem, mas podem ser transformados em algo positivo e que nos dê mais força. Faltam algumas guitarras e solos que podíamos encontrar em anteriores exemplos da cantora, mas a vibe pop melhorou bastante (pelo menos nos seus dois últimos álbuns) e criou uma identidade completamente ligada à cantora. Estamos perante um álbum de autora, com personalidade,
excelentes baladas e músicas pop bastante boas, apesar de nenhuma das músicas completamente pop chegar a ser excelente. St. Vincent é um rasgo de criatividade num universo pop cada vez mais colado aos exemplos do topo.