“Men”, de Alex Garland: estória de uma mulher só
Este artigo pode conter spoilers.
Depois de nos fazer questionar sobre a consciência A.I. em Ex Machina (2014) e de nos levar numa expedição pelo “shimmer”, em Aniquilação (2018), o realizador britânico Alex Garlandsintoniza o metrómetro do terror com o compasso de thriller psicológico e surrealista à la Darren Aronofsky e junta-se à produtora A24 para trazer ao mundo Men (2022).
O novo filme de Garland desperta com a simplicidade de uma trama comercial de terror e ingredientes de uma set up ao estilo Stephen King, a estória é embalada por uma trama alegórica, reminiscente a Charlie Kaufman, para culminar num final perturbador, com imagens de tal forma grotescas e surreais que fariam franzir o sobrolho a David Lynch.
Jesse Buckley entra em cena no papel de Harper, num contexto semelhante à sua contribuição em Tudo Acaba Agora (2020). Buckley, nomeada a um Óscar de Melhor Atriz Secundária pela sua prestação em A Filha Perdida (2021), interpreta, em Men, uma forasteira que procura refugiar-se de um trauma passado num chalé vitoriano.
Inicialmente provida da dormência e ceticismo que adormece os protagonistas dos filmes de terror, Harper ignora os avisos premonitórios que algo de terrível está prestes a acontecer.
As primeiras insinuações de suspense e terror têm tanto de perturbadoras como de hilariante. A inquietação começa com as interferências que destabilizam as videochamadas de Harper com a amiga, Riley (Gayle Rankin). Mais tarde, ao passear pelos bosques das redondezas, Harper encontra um homem completamente despido que a persegue pela paisagem.
A velha e desusada expressão “os homens são todos iguais” é algo irrefutável nesta obra de Garland, considerando que este é um filme em que o ator Rory Kinnear interpreta todos os homens do elenco. Homens, que, pela sua inaptidão natural para prestar qualquer tipo de auxílio verdadeiramente útil, se limitam a vestir uma personalidade irritantemente condescendente e aflitivamente hostil. O que nos faz depreender que todo o filme retrata, em certa medida, o passado da protagonista e os seus encontros com todo o tipo de figuras masculinas ao longo da vida.
No entanto, a profundidade do enredo parece esquecida à margem de uma cadência de flashbacks que nos remetem ao passado de Harper para explicar o seu trauma e numa maré de caracterizações caricaturais e rápidas oscilações no caracter das personagens, que operam como um todo enquanto força antagónica com o objetivo de dificultar a vida à protagonista através de uma impertinência perturbadora.
A masculinidade tóxica e a misoginia tornam-se, deste modo, as temáticas centrais do filme e, ainda que muitas vezes pareça uma acusação óbvia, não deixa de ser, em todo o caso, eficiente. O horror de Men encontra-se na índole da sua mensagem e na empatia por Harper, perante a hilariante (de ridícula) e perturbadora postura que a tendência masculina frequentemente adota. Men é a encarnação do despropositado “estava a pedi-las!” e uma homenagem à inata resiliência feminina.
No que concerne a aspetos técnico-formais, Garland permanece um mestre do audiovisual. A direção de fotografia, que enquadra uma belíssima paisagem rural inglesa, é audaz e possui uma dinâmica de foco absolutamente radiante. A montagem, pragmática e inexpressiva, demora o seu tempo em planos gerais da tal english cottage, mas fica a prometer no que concerne às performances dos atores. Já o som e a banda sonora pautam o enredo de magnificas nuances melódicas que parecem criar, a certo ponto, uma relação diegética entre si. Os ecos da voz de Harper, a reverberar pelo túnel, passam a figurar na trilha sonora e há, inclusivamente, um momento arrepiante em que a protagonista pranteia em sintonia com a banda sonora e nos faz esquecer qual faz parte do quê.
Motifs visuais, de inspiração folclórica, reminiscente do filme Wicker Man (1973), como maçãs, dentes-de-leão, homens verdes e o alto relevo de uma pia batismal, pontuam a estória e deixam um puzzle para resolver às capacidades interpretativas de cada espectador.
Ainda que possa desapontar alguns fãs de Garland, Men é um filme para os fãs do terror contemporâneo que esperam escapar à monotonia do típico terror cabin feverish’.
Num ano de grandes estreias, como Marcel, The Shell with Soes On, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, os estúdios da A24, os mesmos que trouxeram filmes como Herditária e Midsommar, voltam a recordar-nos de como é bom ver cinema sem precedentes e repleto de liberdade.